Entrevista: o economista João Nieckars analisa o desenvolvimento de Guarapuava

Nieckars destaca pontos fundamentais que explicam a atual situação econômica da “terra do lobo bravo”

Parque do Lago – Guarapuava (Foto: André Ulysses de Salis)

O cenário econômico de Guarapuava não se apresenta com índices animadores em relação ao desenvolvimento, assim como a maioria dos municípios paranaenses. Mas o que falta para que a economia da região possa alavancar? Por que a oferta de empregos e salários defasados são uma realidade local? Em entrevista que segue, o economista João Nieckars analisa pontos fundamentais que explicam a atual situação econômica da “terra do lobo bravo”.

Em um panorama geral, como podemos definir a economia de Guarapuava? Como ela funciona basicamente?

A economia de Guarapuava é baseada na prestação de serviços. Em torno de 54% do PIB (Produto Interno Bruto) de Guarapuava advém desse setor. Seguindo, 17% da indústria, 15% do PIB fica a cargo da administração pública e 12% da agricultura.

A alta concentração do PIB no setor terciário (de serviços) não seria um problema se tivéssemos uma economia com alto nível de desenvolvimento tecnológico, como o encontrado em Curitiba, São Paulo ou na região do Vale do Silício, na California (EUA), por exemplo. Em locais como esses, há predominância do setor de serviços na formação do PIB, mas são serviços de altíssima tecnologia, complexidade e valorização. Portanto, nos casos dessas outras cidades, o setor de serviços remunera bem os trabalhadores.

Em Guarapuava e em quase todo o interior do Estado do Paraná a maioria dos serviços é de baixa complexidade, tecnologia e, consequentemente, remunera mal o trabalhador. A principal caraterística da economia guarapuavana (ser baseada em serviços de baixa complexidade) é, portanto, um problema e reflete o baixo nível de desenvolvimento, afetando a qualidade dos postos de trabalho e implicando em baixa renda.

Conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o PIB per capita de Guarapuava é o 138º do Paraná. O que esse número representa?

Quer dizer que trabalhamos muito, mas ganhamos pouco, pois produzimos com baixo valor agregado. Guarapuava é a 9º maior cidade do Paraná em termos populacionais e o PIB encolhido indica que estamos subdesenvolvidos economicamente. A média nacional do PIB per capita está na casa dos R$ 33 mil, a média estadual é de R$ 38 mil e Guarapuava registra a média de R$ 31 mil. Ou seja, a cidade possui o PIB per capita abaixo das duas principais médias.

Guarapuava está no “bolsão” da pobreza do Estado, muito por conta da estrutura econômica da região, onde observamos serviços de baixa rentabilidade, salários defasados e baixa distribuição de renda. Infelizmente, Guarapuava hoje é a capital do subdesenvolvimento no Paraná, apresentando baixa renda média, PIB fraco, alta concentração de riqueza e IDH mediano.

A sensação que muitos tem, da falta de dinheiro no final do mês, de que, embora se trabalhe muito o mês todo, ainda falta dinheiro para pagar as contas básicas, decorre do fato de que os trabalhadores guarapuavanos são mal remunerados, recebendo menos que a média paranaense e nacional.

Para que isso mude é preciso mudarmos a pirâmide produtiva, empenhando mais energia no fortalecimento da indústria local, setor que melhor remunera e que, consequentemente, permite melhor distribuição de renda.

O setor de serviços teve um crescimento na região. No entanto, o setor industrial continua estagnado. Pode explicar as consequências dessa situação no ponto de vista econômico?

Efetivamente os serviços estão crescendo em Guarapuava, de uma forma mais tímida do que outras regiões do Paraná, porque o setor é altamente influenciado pela disponibilidade de renda que, no caso de Guarapuava, é baixa. O problema é que o salário médio pago pelo setor de serviços continua baixo, em torno de R$ 1,2 mil para os trabalhadores com registro em carteira de trabalho.

Do outro lado nós temos a agricultura, que se mantém estável dentro do panorama econômico da região. O salário médio do setor é em torno de R$ 1,6 mil para os empregados legalmente registrados. Já o setor industrial, que tem pequena participação no nosso PIB, remunera melhor os trabalhadores.  O salário médio mensal do Estado para os empregados da indústria é de R$ 3 mil, o dobro ou mais da média local nos principais setores econômicos.

A baixa renda da maior parte da população gera inúmeras consequências. Se um trabalhador ganha pouco, ele provavelmente irá estudar pouco, se ele de fato estudar pouco, irá continuar ganhando pouco. Se um trabalhador é mal remunerado, dependerá mais da saúde pública. Essas consequências fazem com que o sistema público fique sobrecarregado. Existe também a questão do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), quando o salário é baixo, o trabalhador não consegue investir o suficiente em si mesmo.

Não digo que somente a indústria é importante para o desenvolvimento econômico, todos os setores tem importância e devem crescer em sintonia para assegurar o real desenvolvimento da nossa cidade.

Economista João Nieckars (Foto: Arquivo Pessoal)

Em relação a LOA (Lei Orçamentária Anual) 2020, como os valores aprovados podem ser avaliados?

A LOA para 2020, na visão de um economista, possui vários defeitos em relação a destinação de muitos valores lá previstos e que poderiam ser aplicados de uma melhor forma. O maior exemplo é o valor destinado a publicidade que é superior ao definido para o turismo, que poderia gerar mais emprego, mais renda e mais desenvolvimento, por exemplo.

É importante destacar um ponto na LOA 2020 que é ainda mais preocupante: a baixa arrecadação. Veja, a cidade de Toledo-PR aprovou a Lei Orçamentária 2020 que prevê arrecadar R$ 188 milhões a mais que Guarapuava, mesmo sendo um município mais novo e com quase 50 mil de habitantes a menos. Toledo é sede de várias indústrias do setor agropecuário, algo que falta em nosso município.

A LOA de Guarapuava demonstra o baixo nível de desenvolvimento e produtividade da nossa cidade, já que ele reflete na arrecadação municipal – quanto mais e melhor se produz, mais arrecadação é obtida e é justamente dai que decorre a grande importância da indústria para o orçamento público.

Sobre o projeto que isenta o IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano) de proprietários de loteamentos e condomínios fechados em Guarapuava, pode comentar como a medida afeta na arrecadação municipal?

Isentar os donos de loteamento por até 10 anos, projeto este já votado e aprovado, é um desgaste inaceitável para os cofres públicos. O maior loteamento de Guarapuava possui 3 milhões m² e a isenção do ITPTU de uma área como essa tirou, no mínimo, R$ 1,5 milhão da arrecadação pública municipal apenas nesse ano de 2020.

Se essa Lei de isenção do IPTU valesse a partir do início da construção de uma obra nova, nós estaríamos fomentando a construção civil, gerando empregos e incentivando a comercialização de produtos destinados ao setor. Isentar o IPTU de loteamentos não ocupados, até a venda do lote, é simplesmente abrir mão de receber dinheiro de imposto sem nenhum benefício para Guarapuava.

Economicamente a aprovação dessa Lei não traz beneficio algum, pelo contrário, ela favorece uma classe reduzidíssima de empresários a despeito da grande parcela da população que continua pagando o IPTU normalmente.

Importante destacar que não há “almoço grátis” e quem paga, sim, são os outros contribuintes, pois quando o município deixa de arrecadar imposto, como neste caso, ele tem que compensar de alguma outra forma, sobre pena do Poder Executivo responder por crime de responsabilidade fiscal.

Recentemente tivemos a informação de que o IPTU de 2020 foi reajustado em 3,27 % em Guarapuava. Esta é uma das formas de compensar à medida que isentou os donos de grandes loteamentos por até 10 anos. Ou seja, mais uma vez o pobre está pagando pelo rico.

Pode explicar até que ponto as outras esferas (Governo Federal e Estadual) interferem no desenvolvimento econômico de Guarapuava e Região?

A representatividade do Município junto ao Estado e a União é de extrema relevância. A cidade recebeu recursos consideráveis nos últimos quatro anos, oriundos do Governo Estadual, para a construção do Centro de Especialidades do Paraná (CEP), do Hospital Regional (HR), entre outros investimentos estruturais. No entanto, os R$ 13 milhões investidos no CEP, por exemplo, foram inúteis, já que a unidade foi concluída, inaugurada, mas está fechada.

O Hospital regional deveria estar funcionando desde 2016, mas quatro anos depois da previsão a construção continua inacabada. Após a conclusão das obras, o HR ainda precisará passar pelo processo de contratação de funcionários, compra de equipamentos e definição do sistema de gestão. Mais uma demonstração de que não há sintonia e nem planejamento entre as necessidades locais e o Governo do Paraná.

Em relação a representatividade junto a administração Federal é ainda mais relevante, já que lá estão os maiores volumes de recursos. Se o Governo Estadual tem uma boa capacidade de investimentos, o Governo Federal possui condições ainda maiores. Um exemplo é o Campus da Universidade Federal do Paraná, em Guarapuava, construído em tempo recorde e que já está formando centenas de profissionais por ano. Isso representa um acréscimo considerável, tanto na economia, quanto no desenvolvimento acadêmico e tecnológico da região.

A falta de representação federal sucateou os investimentos da União na cidade, pois, por exemplo, enquanto Cascavel recebe, em média, 40 milhões em investimentos do Governo Federal por semestre, Guarapuava recebeu o mesmo valor nos últimos 20 anos.

 

21-01-2020 – 17h 15min

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