Imagem: Senado Federal
22/12/2022 -13:24:10
André Luís A. Silva
A Guerra do Paraguai (1864 – 1870), como é conhecida no Brasil, recebe outros nomes nos países vizinhos, como, por exemplo, na Argentina e no Uruguai, em que ela é chamada de A Guerra da Tríplice Aliança. Já os paraguaios a chamam de Guerra Guazú, em Guarani, que significa, Grande Guerra, por ter sido um conflito que destruiu boa parte de seu país e deixou imensuráveis sequelas. A mudança do nome e interpretação do conflito faz parte das memórias e narrativas históricas. Toda guerra produz suas próprias narrativas, suas próprias verdades. Mas o fato é que a Guerra do Paraguai é considerada, por ambos os lados, como o maior conflito armado da América do Sul.
No Brasil, a guerra emergiu em um momento de robustez econômica, muito por conta do monopólio do comércio de café. As exportações brasileiras do chamado ouro negro garantiam o desenvolvimento do país e a estabilização econômica do reinado de D. Pedro II. Olhando para além de suas fronteiras, a política externa brasileira tinha interesse em aumentar sua soberania na América do Sul, e um dos enfoques era obter certo controle geopolítico em determinas regiões, como por exemplo, na Bacia do Prata, uma região constituída pelas sub-bacias dos rios Paraná, Paraguai, Uruguai e seus afluentes. Já nesta época, a Bacia do Prata era um grande potencial hidrográfico, suas águas eram utilizadas para consumo doméstico e para a irrigação de plantações, além de que, seus volumosos rios eram importantes hidrovias de transporte e comunicação.
Os interesses do Paraguai na Bacia do Prata eram ainda maiores, uma vez que ela era fundamental para escoar sua produção, principalmente, por meio do rios Paraguai e Paraná. E, aqui é um ponto importante, pois vale lembrar que o Paraguai não tinha – e continua não tendo, uma saída para o mar. Portanto, utilizar a Bacia do Prata seria o único modo de escoar sua produção até o Atlântico e, assim, dar rumos a suas exportações. Deste modo, a expansão das fronteiras e a busca por uma saída para o mar eram parte da política externa do general Francisco Solano López, presidente do Paraguai, que havia tomado posse em 1862, no intuito de executar seu projeto expansionista que ele chamava de O Grande Paraguai.
Os interesses da Argentina e do Uruguai eram semelhantes na região, mas, também, envolviam questões fronteiriças que ainda não estavam bem resolvidas até aquele momento histórico. O controle e o livre acesso da Bacia do Prata já eram motivos de desavenças entre os países do cone sul desde o fim do período colonial, e inclusive foram motivos das Guerras Civis Argentinas (1814 – 1880), Guerra da Cisplatina (1825 – 1828), Guerra Grande no Uruguai (1839 – 1851), Guerra do Prata (1851 – 1852), e Guerra Uruguaia (1864 – 1865).
De acordo com o historiador Francisco Doratioto, o Paraguai conquistou sua Independência em 1811 e, a partir de então, tornou-se uma pequena república. Desde 1840, o governo paraguaio havia iniciado um projeto de aceleração de sua economia, movido pelo incentivo à produção de erva-mate e tabaco, pela extração de madeira e criação de gado. Também aconteceram investimentos na infraestrutura, como por exemplo, a construção da ferrovia de Assunção e linhas de telégrafos. A educação teve melhora notável, embora as mulheres fossem proibidas de aprender a ler e escrever. Todavia, os âmbitos nos quais o Paraguai se destacava era na indústria bélica e na organização e recrutamento de soldados para o exército, nesse quesito, era o mais avançado da América do Sul. Doratioto, alerta que durante muito tempo, surgiram narrativas alegando que o Paraguai era uma futura potência econômica do século XIX, e que poderia ameaçar a hegemonia capitalista da Inglaterra, o que de fato, é uma inverdade. Em seu livro, Maldita Guerra, Doratioto elenca por meio de uma série de fontes que o Paraguai era um jovem país pobre e agrário, e que havia apenas iniciado seu processo de desenvolvimento. Segundo o historiador, não existe fundamentação histórica para afirmar que o Paraguai pudesse se tornar uma potência capitalista na América do Sul e rivalizar economicamente com a Inglaterra.
Com os interesses geopolíticos cada vez mais inflados, em setembro de 1864, o Brasil enviou tropas de seu exército para o Uruguai, no intuito de dar apoio ao movimento revoltoso do general Venâncio Flores, que conseguiu derrubar o governo constitucional por meio de um golpe. A Argentina, por sua vez, posicionou-se favorável ao envio das tropas brasileiras e ao novo governo do Uruguai, visto que o projeto de política externa de Venâncio Flores favorecia o livre acesso dos argentinos na Bacia do Prata.
Mas, Solano López, presidente do Paraguai, sentiu-se ameaçado e, ao mesmo tempo, isolado dos tratados macroeconômicos da região. Como represália, Solano condenou o envio de tropas brasileiras ao Uruguai e, em novembro de 1864, sequestrou o navio brasileiro Marques de Olinda, que passava pela capital Assunção. Em seguida, prendeu toda a sua tripulação que morreu de fome e/ou de maus tratos em prisões paraguaias. Entre as vítimas, estava o coronel Frederico Carneiro de Campos, recém empossado presidente da província de Mato Grosso. O episódio foi entendido no Brasil como uma afronta à soberania nacional. Como se não bastasse, Solano declarou guerra ao Brasil em 13 de dezembro de 1864, e entre os dias 23 e 28 de dezembro, invadiu a província brasileira do Mato Grosso, que em parte permaneceu ocupada até o início do ano de 1868, com exceção da capital Cuiabá, que foi fortificada pelo exército brasileiro. Em março de 1865, Solano López também declarou guerra à Argentina e ao Uruguai, e invadiu as províncias de Corrientes e Entre Rios. Dois meses depois, atacou o Rio Grande do Sul e algumas cidades ao noroeste do Uruguai.
Até esse momento, pequenos conflitos locais haviam se iniciado, e ambas as partes acreditavam que a guerra teria um desfecho rápido. Todavia, o conflito se estendeu por quase seis anos. No Brasil, D. Pedro II expediu o Decreto nº 3371, em 7 de janeiro de 1865, conhecido como Voluntários da Pátria, que pretendia reforçar o efetivo militar do exército brasileiro. Nesse decreto, o governo assegurava aos recrutados o pagamento de prêmios em dinheiro, lotes de terra, empregos públicos, promoção de patentes militares, liberdade aos escravos e a assistência de órfãos, viúvas e mutilados de guerra. O fato é que o programa do governo não teve uma forte adesão nacional, boa parte dos recrutados eram escravos, homens livres que foram forçados a servirem o Brasil na guerra, ou indígenas das províncias próximas ao conflito.
No dia 1 de maio de 1865, Brasil, Argentina e Uruguai assinaram o tratado da Tríplice Aliança, na cidade de Buenos Aires, o que na prática era uma união de forças para derrotar o exército paraguaio de Solano López. Embora o Paraguai tenha tido algumas vitórias nos primeiros meses da guerra, a Batalha do Riachuelo, na Argentina, foi a primeira grande revés. O conflito marítimo causou enormes perdas ao Paraguai, que teve praticamente toda sua frota de navios destruída pela marinha brasileira, possibilitando, assim, o controle dos aliados na Bacia do Prata.
A partir disso, o conflito se tornaria mais lento e territorial. A Batalha do Tuiuti, por exemplo, foi o maior e mais sangrento embate campal de toda a guerra. Travada em maio de 1866, numa região pantanosa do Paraguai, deixou milhares de mortos de ambos os lados e consagrou mais uma vitória dos aliados, muito por conta das estratégias de guerrilha organizadas pelo general Manuel Luís Osório, o Marquês do Herval. Em dezembro de 1868, uma série de batalhas que ficaram conhecidas como dezembrada, foram lideradas pelo general Luís Alves de Lima e Silva, o Marquês de Caxias, levaram as tropas aliadas a ocupar Assunção, capital do Paraguai, e a fuga de Solano López para a cordilheira.
Os aliados queriam a rendição do presidente paraguaio, o que não aconteceu. No início de 1869, Argentina e Uruguai recuaram seus exércitos e deixaram o Brasil lutando sozinho no conflito, o que na prática, descumpria o tratado da Tríplice Aliança assinado entre os países. Neste mesmo ano, o Marquês de Caxias deixou o comando das tropas que passaram a ser comandadas pelo Conde d’Eu, esposo da Princesa Isabel. Sem mais recursos financeiros e efetivo militar, a Guerra do Paraguai chegou ao fim com a morte de Solano López, em março de 1870, quando foi encurralado e morto pelas tropas brasileiras durante a Batalha de Cerro Corá. Ainda assim, o exército brasileiro permaneceu no Paraguai até 1876.
Os saldos da guerra são horríveis para ambos os países envolvidos. De acordo com os dados mencionados por Doratioto, o Paraguai, derrotado do conflito, teve toda sua infraestrutura destruída, perdeu 60% do total de sua população, e cerca de 75% da população masculina do país. O Brasil perdeu 50 mil soldados, aproximadamente, mas este número pode subir para até 100 mil, se somar os civis que morreram na guerra ou por consequência dela. As estimativas alegam que as baixas na Argentina foram em torno de 18 mil mortos, mas podem chegar a 30 mil, se somadas as mortes de civis. Já o Uruguai, país que menos enviou tropas para a guerra, os números são um pouco mais de 3 mil mortes.
Embora os números não possam ser cravados com exatidão, pois, durante a guerra muitos soldados e civis morreram de doenças como malária, cólera, pneumonia e tifo, além de que, muitos soldados desertaram e várias pessoas desapareceram em meio ao conflito, estima-se que o saldo de mortos da guerra esteja na casa de 450 mil. A Guerra do Paraguai, desde seu início se mostrou ser impopular e, durante o conflito, várias manifestações aconteceram no Brasil, na Argentina e no Uruguai. Como toda e qualquer guerra, ela poderia ter sido evitada, poupando a vida de milhares de pessoas.
Outro saldo negativo, para ambas as nações envolvidas, foram os empréstimos realizados com bancos ingleses para manter ativa as máquinas de guerra. No caso do Brasil, o pagamento destes empréstimos se estendeu por anos. O Império do Brasil venceu a guerra, mas o endividamento empurrou a monarquia para a decadência, fez alvorecer movimentos abolicionistas, o Partido Republicano e demais grupos opositores a D. Pedro II. De acordo com o historiador José Murilo de Carvalho, o pós-Guerra do Paraguai emergiu um novo exército, e na mente da população brasileira, o sentimento de que o exército seria a esperança de um novo governo comprometido com os interesses nacionais, com a ordem e o progresso. O estímulo deste sentimento ajudou na pavimentação do caminho que levou a abolição da escravidão, em 1888, e o golpe da Proclamação da República no ano seguinte, liderada pelo Marechal Deodoro da Fonseca.
No Brasil, a Guerra do Paraguai é um tanto esquecida, grande parte da sociedade desconhece o episódio, que também é pouco mencionado nos livros didáticos. Entretanto, no Paraguai, a Grande Guerra, como é chamada pelos paraguaios, é parte da sua identidade nacional. Por lá, o Brasil é entendido como um o grande invasor imperialista, que por meio de seu exército, efetuou saques, abusos e genocídio. Todavia, o ex-presidente Solano López é lembrado e homenageado por vários monumentos como um herói da pátria, mesmo tendo utilizado adolescentes, mulheres e idosos nas linhas de frente da guerra, já no final do ano de 1869, por falta de efetivo militar. Inclusive, por este fato, o Paraguai institucionalizou o dia 16 de agosto como o Dia del Niño (Dia das Crianças), em memória as crianças e adolescentes mortos na Batalha de Acosta Ñu.
Como mencionado no início, a Guerra do Paraguai é um conflito com muitas narrativas que geram o embate entre história e memória, isto é, entre uma história preocupada com os dados, com a averiguação dos fatos em documentos, e a memória, muitas vezes envolvida por um discurso heroico de nacionalidade.