OPINIÃO

A outra pandemia

Foto: Pixabay

01/04/2022 – 14:56:37

Luiz Felipe

Nota: Importante destacar, inicialmente, que este texto de opinião analisa a questão por um viés sociológico e cultural, não com postura da psicologia ou da psiquiatria. Se você precisa falar com alguém, fale com alguém do Centro de Valorização da Vida, pelo telefone 188, é de graça e disponível a todo momento.

Não chegamos nem ao quarto mês de 2022 e pelo menos 12 suicídios já foram registrados, sendo que 8 desses foram em Guarapuava e os demais em cidades da região. O que mais chama a atenção além da própria tragédia em si, é a idade das vítimas – a maioria tem menos de 30 anos e todos com um ponto em comum: vítimas da depressão.

 No mês de janeiro foram quatro suicídios em Guarapuava. No bairro Vila Bela, a jovem Louise atentou contra própria vida, ela tinha apenas 26 anos; quatro dias depois, no distrito da Palmeirinha, o jovem Kauê decidiu pôr fim à própria vida, ele tinha 22 e dois dias depois, também no distrito da Palmeirinha, a depressão fez outra vítima: o jovem Fernando – de 27 anos. Em fevereiro, pelo menos duas pessoas tiraram a própria vida, um jovem de 20 anos – no Residencial 2000 e uma mulher de 44 anos, no bairro Conradinho. Março está repetindo a média do mês passado, no dia 18 um empresário foi encontrado morto em uma chácara no Jordão; na semana passada – ainda que nada tenho sido informado oficialmente, um jovem de 17 anos morreu afogado no Parque do Lago. A ocorrência foi registrada como afogamento, mas nas redes sociais diversas pessoas estão relatando que o jovem sofria de uma depressão profunda. E na noite do último sábado (26), novamente no Parque do Lago, outra vida se encerrou; quando um homem de 29 anos foi encontrado enforcado.

Todos esses casos corroboram os dados internacionais que colocam o Brasil na oitava posição no ranking de países onde as pessoas mais cometem suicídio; de acordo com estimativas da Organização Mundial de Saúde – OMS, a cada 40 segundos uma pessoa tira a própria vida, o que significa que a cada 100 mortes, uma é por suicídio. Segundo a OMS, a cada ano morrem mais pessoas por suicídio do que por HIV, Malária ou câncer de mama, por exemplo; outro dado assustador é o de que o suicídio é a quarta maior causa entre jovens de 15 a 29 anos no mundo, ficando atrás apenas de acidentes de trânsito, tuberculose e violência interpessoal.

Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS, em 2019 – antes da pandemia de covid-19, cerca de 97.333 pessoas tiraram a própria vida nas Américas e a estimativa da organização é de que o número de tentativas (que foram interrompidas ou em que as vítimas foram socorridas a tempo) seja 20 vezes maior, ou seja, quase 2 milhões de tentativas de suicídio que felizmente não terminaram em morte. Do total de suicídios em 2019 nas Américas, 77% ou quase 75 mil dos suicídios as vítimas foram homens, a maioria entre 15 e 25 anos.

No Brasil, somente em 2021, foram mais de 13 mil casos de suicídio e o número de subir mais ainda em 2022. Segundo dados do governo federal, entre 2010 e 2019, mais de 110 mil brasileiros tiraram a própria vida, é a maior do que a média de um continente como a Europa. Embora haja um entendimento da OMS de que a taxa de homens suicidas seja maior em países com IDH mais elevado, por exemplo, o Brasil é um ponto fora da curva. Enquanto na Europa a margem de homens suicidas é de 10,2 para cada 100 mil, no Brasil essa média é de 11, dois pontos a mais do que a média global que é de 9 para cada 100 mil.

E após toda essa enxurrada de dados, a pergunta que paira no ar é: por quê? Embora a pandemia de covid-19 tenha trazido uma enorme contribuição para o agravamento da saúde mental e também o aumento das tentativas de suicídio, não é de hoje esse assunto vem sendo evitado e ignorado pelo meio social. O suicídio está presente na cultura humana há muito tempo. Sendo uma ação voluntária e intencional, o suicídio significa um mergulho no nada, no qual a morte é a solução para todos os problemas e a dores às quais o sujeito está submetido.

De 2019 para cá, houve um agravamento na situação financeira de muitos brasileiros em decorrência da pandemia e o desenvolvimento agudo de transtornos de ansiedade, depressão e outras patologias que agridem severamente a saúde mental, têm se tornado notícia quase que diariamente. O desespero no qual muitos brasileiros sem encontram neste momento, o medo do desemprego, da fome, do despejo, incentiva e move diversas ações, da prática de pequenos delitos como o roubo – seja para comer ou alimentar outros, assim como o próprio suicídio. É importante destacar que a discussão levantada aqui possui um viés sociológico, não psicológico.

No século XIX, o sociólogo francês, Émile Durkheim já apontava que a sociedade tem um certo grau de predisposição de fornecer um ambiente das chamadas mortes voluntárias, isto é, o suicídio. À sociologia cabe a análise de todo o processo social no coletivo. Durkheim estabeleceu três tipos de suicídio, sendo eles o egoísta, o altruísta e o anômico.

O suicídio egoísta é aquele no qual as relações entre o indivíduo e o meio já não possuem mais sustentabilidade, isto é, se distanciam e a vida passa a não fazer mais sentido, o indivíduo não tem mais razão para viver. Já no suicídio altruísta, é aquele no qual há o dever de cometer o suicídio. Os kamikazes japoneses na segunda guerra e os terroristas que se chocaram contra as torres do World Trade Center, em 2001, são exemplos do suicídio altruísta. E, por último, temos o suicídio anômico, aquele definido pela chamada anomia social, isto é, a ausência de regras na sociedade, o que pode ser visto durante uma crise econômica ou uma crise de saúde pública, como a que estamos vivenciando atualmente. O mais irônico é que a taxa de suicídio anômico é maior em países ricos do que em países pobres, tanto a sociologia quanto a OMS concordam que os países pobres lidam melhor com a situação de anomia social.

O fato social – uma matéria a qual tivemos que “aprender” nos bancos escolares do ensino médio, é um conjunto de regras e normas coletivas que regem/orientam/comandam a ação individual. Durkheim nos diz que ele se manifesta nas nossas formas de agir e pensar, mas precisam seguir três regras simples para serem considerados como fatos sociais, que são: a exterioridade (existir independentemente da nossa vontade ou reflexão); coercitivo (a imposição de penalidades àqueles que não cumprem com as normas) e gerais (estão presentes no âmbito da sociedade).

Sabendo disso, podemos abordar o suicídio como um fato social, uma vez que existem implicações exteriores que os indivíduos levam em consideração durante o ato; essas implicações podem estar ligadas a trabalho, religião, relacionamentos, família. A coercitividade do suicídio se comprova na pressão social que o sujeito nem sempre pode alcançar e isso força-o a tomar uma medida drástica de interromper a própria vida. Buscas incessantes por riquezas ou pela simples sobrevivência no dia a dia podem ser fatores motivadores, pois o sujeito sente-se fora da curva, isto é, peça que não encaixa no padrão social que foi formatado.  A generalidade do fato existe porque ele tem regularidade no meio social, isto é, atinge ao coletivo e não ao indivíduo em si.

A sociologia não tem por objetivo a naturalização do suicídio, muito pelo contrário, sua posição perante os estudos é evitar que a sociedade fomente sua própria ruína, ou seja, uma doutrina positivista empregada para que seja identificado, tratado e que haja progresso para restabelecer a ordem social das coisas.

Uma das anomias identificadas por sociólogos da contemporaneidade é também a deficiência social em tratar o suicídio como um grande tabu, no qual o silêncio e a negativa da discussão parecem ser a melhor saída, como se não falar do problema fosse resolver a situação. Para muitas culturas, principalmente cristãs, o suicídio é visto como pecado e as críticas em cima do ato dificultam ainda mais a eficácia de campanhas preventivas e as ações efetivas de combate ao suicídio.

Definitivamente: suicídio não é falta de deuses, espiritualidade fraca, falta de orações, preces ou coisas do tipo, é fruto de uma doença séria que acomete mais e mais pessoas a cada ano que se passa. Quando uma morte por suicídio é noticiada, infelizmente as redes sociais e seus usuários também pouco contribuem para que esse quadro seja melhorado e em muitos casos o pré-julgamento também piora ainda mais a situação.

Como o próprio Durkheim estabeleceu, a sociedade vem antes do indivíduo, logo é nosso dever social corrigir essa anomalia social, derrubando as predisposições e regras gerais que incentivam o sujeito a interromper sua própria vida, devemos – por natureza – restabelecer a nossa ordem social e combater o suicídio.

Vivemos em um momento em que as condições impostas para a população muito contribuem para o adoecimento, seja por medo da morte por covid-19, pelo trauma da perda de entes queridos, pela crise financeira ou quaisquer outros motivos. Enquanto sociedade, devemos obrigatoriamente lutar por um espaço mais inclusivo, por uma redução significativa na desigualdade social e no acolhimento social daqueles que mais precisam, além de todo o suporte médico com profissionais valorizados e estruturas mínimas para tratamento, como leitos psiquiátricos e políticas públicas de enfrentamento ao suicídio.

Disque 188, você não está sozinho nessa!


por:

Luiz Felipe de Lima

• Historiador •

Formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro;

Professor de História e Sociologia;

Pesquisador.

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