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Afinal, imposto é roubo?

Imagem: Freepik

28/02/2023 – 08:12:27

André Luís A. Silva

É muito comum e, provavelmente, você já deve ter ouvido falar que no Brasil nós pagamos muitos impostos, que nossa carga tributária é bastante complexa e que os impostos pagos pelo contribuinte não retornam em benefício para a sociedade como deveriam. De fato, isso é verdade, mas, também, ouve-se muito a ideia de que imposto é roubo, uma espécie de confisco, uma transferência de riqueza de quem produz e trabalha para um Estado parasita e improdutivo. Ora, essa última afirmação parece não ser muito consistente. Para isso, nosso ponto de partida neste texto é entender como é organizada a estrutura tributária no Brasil.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, em linhas gerais, um tributo nada mais é do que um encargo compulsório que toda pessoa física ou jurídica é obrigada a pagar para o Estado, seja na esfera Municipal, Estadual ou Federal, em troca de serviços oferecidos à sociedade. Dito isso, é importante ressaltar que a Carta Magna classifica o Sistema Tributário Nacional da seguinte forma:

(I) Impostos: Necessariamente não estão associados a uma contrapartida direta, ou seja, sua aplicação na sociedade pode ter vários destinos prováveis. Um exemplo seria o Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), que de acordo com o Ministério da Fazenda, parte do que é arrecadado é destinado à saúde, educação, segurança, cultura e programas de transferência de renda.

(II) Taxas: É um modelo de tributo que está atrelado à prestações de serviços, como por exemplo, a cobrança da taxa de coleta de lixo que muitas prefeituras cobram possui uma contrapartida direta, isto é, o contribuinte paga para receber aquele determinado serviço.

(III) Contribuição de Melhoria: Uma espécie de tributo que incide sobre alguma benfeitoria decorrente de obras públicas, como por exemplo, a pavimentação asfáltica e calçadas para pedestres.

Contudo, neste texto, vamos focar apenas em uma das formas de tributos previstos no Sistema Nacional, ou seja, os impostos, que são divididos em dois grupos:

(A) Impostos Diretos: O encargo destes impostos é sobre a renda e o patrimônio. Podemos citar como exemplo o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), o Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF), entre outros, cobrados em diferentes esferas de poder, Municipal, Estadual e Federal. Como mencionado, a cobrança destes impostos incide sobre a renda e o patrimônio da pessoa física ou jurídica.

(B) Impostos Indiretos: São os encargos sobre os produtos e os serviços, como por exemplo, o Imposto sobre a Transmissão de Bens e Imóveis (ITBI), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), entre outros, que também são cobrados em diferentes esferas de poder, Municipal, Estadual e Federal. Logo, é importante ressaltar que todos nós pagamos indiretamente estes impostos quando consumimos algum produto ou utilizamos determinado serviço.

Como já referido, os impostos são modelos de tributos que não estão associados a uma contrapartida direta, ao contrário de seus pares, taxas e contribuição de melhoria. Com efeito, pode-se dizer que os impostos servem para financiar a ideia geral do Estado, e que o responsável em definir o que será feito com a arrecadação dos impostos é o poder executivo, ou seja, os prefeitos, os governadores e o presidente da República, em conjunto com os representantes do poder legislativo que podem fazer ajustes e correções no orçamento. Ora, então cabe afirmar que são os nossos representantes que ordenam como e quanto de dinheiro será direcionado para financiar a ação geral do Estado. Portanto, caso você não esteja contente com isso e ache que o dinheiro dos impostos não está sendo bem empregado, isso é uma outra discussão, que talvez por esse motivo, muitos saiam por aí dizendo que imposto é roubo.

De fato, todos nós podemos discordar do arcabouço de gastos do Estado, onde e como ele gasta, pois, como observado, a estrutura dos impostos no Brasil é complexa, variada e muitas vezes confusa até mesmo para os responsáveis que fazem a fiscalização. Mas, é importante lembrar que este problema nós resolvemos discutindo e escolhendo melhor os nossos representantes na política, pois, como dito, são eles que vão organizar o orçamento do Estado.

Na obra intitulada Brasil: uma economia que não aprende, os economistas André Roncaglia e Paulo Gala enfatizam que conceitualmente a cobrança de impostos não se trata de um roubo, mas parte de um trabalho de estabilização da economia, uma vez que o Estado é uma configuração coletiva e social, trata-se de um categoria histórica, ele existe e precisa ser operado. Deste modo, é fundamental que todos os cidadãos entendam o mínimo da organização do Estado, e não esqueçam que o setor privado só pode vir a existir e se desenvolver porque, antes dele, existe um poder público sustentado pelos impostos, que cria e aplica as Leis, garante a liberdade, os direitos, a segurança física e jurídica, a estabilização da moeda, a propriedade, o acesso a informação e etc.

Além disso, o argumento de que a cobrança de impostos é um roubo não faz nenhum sentido quando lembramos que, antes do empresário poder produzir e seus empregados poderem trabalhar, é o Estado que garante a segurança jurídica dos negócios, é por meio dele que se regulamentam as empresas, as indústrias, os comércios, as Leis trabalhistas, o sistema de previdência social, a segurança física de todos os indivíduos envolvidos, a iluminação e as vias públicas para que os trabalhadores possam se dirigir até seus empregos, a manutenção das rodovias para escoar a produção, a universidade que formou o empresário ou o curso técnico que habilitou o trabalhador a operar sua máquina de trabalho, bem como, os acordos nacionais e internacionais que possibilitam o surgimento de novos negócios e mercados. Enfim, o Estado é quem garante a geração de riqueza de uma nação e, por esta razão, ele deve ser ressarcido com impostos por aqueles que o usufruem para produzir novas e outras riquezas.

Contudo, pode-se dizer que a arrecadação de impostos no Brasil é uma máquina que penaliza os mais pobres e a classe média, tendo em vista que em nosso país a carga dos impostos indiretos são maiores, o que por sua vez aprofunda as desigualdades socioeconômicas. Com efeito, o predomínio dos impostos indiretos acaba por atacar os indivíduos que possuem menor renda, pelo fato de que tudo o que consomem para sua sobrevivência, isto é, produtos e serviços, neles já estão embutidos inúmeros impostos indiretos em seus preços. O predomínio dos impostos indiretos também afeta o crescimento das micro e pequenas empresas, que têm sua margem de lucro estrangulada por uma cadeia de impostos que incidem sobre produção, circulação e comercialização.

Em países desenvolvidos a lógica é contrária. Nos Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido, por exemplo, as alíquotas dos impostos diretos são progressivas e cada vez mais pesadas conforme o tamanho e quantidade de renda e patrimônio dos indivíduos e/ou empresas. Porém, por outro lado, os impostos indiretos possuem percentuais mais baixos, o que faz os produtos e os serviços se tornarem mais baratos e acessíveis para toda a população, ao mesmo tempo em que favorece o crescimento e a competitividade das micro e pequenas empresas. Desta forma, nota-se que os países desenvolvidos estimulam suas economias por meio da produção e o consumo.

Por isso, no Brasil, precisamos urgentemente de uma reforma em nosso sistema tributário. Atualmente, no Congresso Nacional, existem duas propostas avançadas sobre o tema, a PEC 45/2019 de autoria do deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), e a PEC 110/2019, oriunda do senador não reeleito Roberto Rocha (PTB-MA). Ambas as propostas convergem em criar um imposto único que substitua cinco ou mais impostos indiretos, e que seja cobrado apenas no destino final dos produtos e serviços, que na prática, simplificaria o sistema e possivelmente resultaria em uma boa redução do valor pago via impostos. Porém, a grande discussão fica por conta de uma reforma nos impostos diretos, que incidem sobre patrimônio e renda.

De fato, simplificar os impostos e o modelo de cobrança se faz necessário para desburocratizar o sistema e deixá-lo mais eficiente, dar mais transparência para o contribuinte e evitar a sonegação de impostos. Todavia, somente estas reformulações não são suficientes, é preciso adotar a progressividade como instrumento de cobrança dos impostos diretos, que atacam os ricos e super ricos, possuidores de patrimônio e detentores das rendas mais altas, assim como fazem os países desenvolvidos.

Nossa reforma precisa inverter a lógica de tributação e inserir o Brasil no primeiro mundo, tendo em vista que um sistema tributário moderno deve servir como mecanismo de redistribuição de renda no propósito de buscar a justiça social e, ao mesmo tempo, ser o indutor de crescimento do país. Caso contrário, continuaremos limitando o potencial de desenvolvimento das nossas empresas e o acesso dos indivíduos aos serviços e produtos de qualidade.

André Luís A. Silva

Historiador, Professor e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná