12/10/2022 – 08:49:55
André Luís A. Silva
A chegada na América pela expedição de Cristóvão Colombo completa seus 530 anos, recheada de revisionismos históricos, polêmicas e comemorações. Mas, o fato é que a aventura de Colombo pelo Oceano Atlântico está inserida em um amplo processo, que se trata do início da era das grandes navegações que mudariam o destino de toda a humanidade, haja vista que a Europa já vinha explorando o Oceano Atlântico desde o começo do século XV, devido a uma série de mudanças nos laços comerciais com o Oriente. A expansão marítima iniciada neste século está relacionada, principalmente, com a tentativa de descobrir uma nova rota comercial para as Índias, em razão de que o comércio de especiarias (canela, pimenta, cravo, gengibre, etc.), realizado por meio do Mar Mediterrâneo, foi monopolizado por Gênova e Veneza, que por sua vez, eram mercadorias valiosas e de grande interesse dos europeus daquele momento histórico. Assim, Portugal e Espanha, já experientes no campo das navegações, foram os primeiros povos a buscarem por novas rotas comerciais.
No século XV, predominavam as crenças de que a Terra era plana e que em seus extremos haviam imensos abismos, também, acreditava-se que existiam monstros marítimos que poderiam devorar as embarcações. Mas, as crenças populares não eram bem aceitas pelos navegadores, que entendiam sua profissão como um ato de bravura e curiosidade. A exemplo de Cristóvão Colombo (1451 – 1506), almirante genovês que, de acordo com sua experiência marítima e seus estudos realizados, renegava as crenças apocalípticas sobre os mares e ainda acreditava que a Terra era esférica. Portanto, segundo o genovês, era possível chegar às Índias por meio de um novo caminho realizado através da navegação em linha reta no Oceano Atlântico, partindo da Espanha e seguindo sempre na direção Oeste, no intuito de contornar o globo.
Depois do convencimento de suas teses para o rei Fernando V de Aragão e, também, para a rainha Isabel I de Castela, foi que Cristóvão Colombo conseguiu apoio financeiro e partiu do Porto de Palos, na Espanha, no dia 3 de agosto de 1492, com sua expedição composta por três caravelas (Santa Maria, Niña e Pinta), totalizando uma tripulação de 87 homens. Depois de sete semanas de viagem, a expedição chegou na América em 12 de outubro, nas região das Antilhas, mais precisamente à ilha de Guanahani, hoje, atual território de Bahamas. Porém, Cristóvão Colombo acreditava ter desembarcado nas Índias e, portanto, comprovado sua tese de que teria descoberto um caminho alternativo. Todavia, o genovês havia chegado a um novo continente, até aquele momento desconhecido pelos europeus. No ano seguinte, em 1493, Colombo retornou à Europa e, posteriormente, nos anos que se sucederam, repetiu este mesmo caminho por pelo menos outras duas vezes, e ainda assim, morreu acreditando e defendendo a sua tese, de que ele havia descoberto uma nova rota marítima para as Índias e não um novo continente.
Ao chegar no Continente Americano, devido a um acidente de percurso, Colombo se deparou com os nativos da região e os chamou, erroneamente, de índios, haja vista que acreditava ter chegado em algum lugar distante da zona de comércio na Índia. Com efeito, os nativos que habitavam o arquipélago das Antilhas foram os primeiros a terem contado com os europeus, também foram os primeiros a desaparecer. Em menos de cem anos após a chegada de Colombo na América, os europeus haviam colonizado e se tornado donos de praticamente todo o continente. Exploraram as riquezas naturais às custas do trabalho escravo imposto aos nativos. Sob o derramamento de sangue, os nativos foram expulsos de seus territórios, suas cidades foram saqueadas e, aqueles que resistiram, foram dizimados através de guerras, nas quais os colonizadores detinham armamento militar muito superior. Também, vale mencionar que, indiretamente, o extermínio das sociedades nativas se deu por conta do contágio com doenças que não possuíam imunidade natural, como por exemplo, a varíola, o sarampo, a sífilis, a tuberculose, a gripe, entre várias outras trazidas pelos europeus.
Apenas oito anos mais tarde, em 22 de abril de 1500, o almirante português Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, mais especificamente onde hoje é o litoral sul do Estado da Bahia, depois de 45 dias de viagem pelo Oceano Atlântico. Por aqui, não diferente da parte da América colonizada pelos espanhóis, a conquista do território aconteceu através da exploração e do extermínio dos povos nativos que já habitavam a região. Onde hoje compreendemos como terras brasileiras, a primeira atividade econômica foi a extração do pau-brasil, realizada pelos colonizadores europeus no amplo litoral que abrangia do nordeste ao sudeste. Neste processo de extração da madeira, foi utilizada a mão de obra dos nativos que, como forma de pagamento, recebiam produtos europeus que eram de seus interesses, uma relação comercial conhecida como escambo. Inicialmente chamado de Ilha de Vera Cruz, o nome Brasil só foi adotado ao longo da segunda metade do século XVI, depois de uma série de outros nomes que não tiveram êxito. Brasil designa de pau-brasil, uma madeira de cor abrasada e vermelha, originária do litoral e utilizada para tingir tecidos através do corante extraído do seu pó.
Algumas décadas mais tarde, a extração de pau-brasil ficou mais difícil, obrigando os europeus a entrarem para o interior do Brasil. Em contrapartida, os engenhos de produção de açúcar se tornaram, aos poucos, a mais nova atividade econômica lucrativa dos colonizadores. Nesse momento, os europeus passaram a capturar os nativos para depois os empregarem em um regime de escravidão. De fato, a relação entre nativos e europeus nunca foi amplamente amistosa, mas, a partir de 1530, predominou-se todas as formas possíveis de violência. As perseguições, os aprisionamentos, os castigos, as mutilações, a escravidão, o estupro e a destruição da cultura tornaram-se práticas comuns dos colonizadores sobre os povos nativos, que perderam seus territórios e tiveram uma queda brusca em sua população que, também, foi ocasionada pelo contagio de doenças trazidas pelos europeus, as quais, os nativos não tinham proteção natural. Neste sentido, as primeiras décadas que concebem a conquista da América por parte dos Espanhóis e Portugueses se coincidem, isto é, a intolerância e o domínio por meio da exploração e violência. As consequências foram o extermínio dos povos nativos, e aqueles que resistiram foram jogados aos lugares remotos, sem que se levasse em conta a sua natureza histórica e cultural. Com efeito, os reflexos destes episódios são sentidos no tempo presente, e aí a importância da defesa e do investimento em políticas públicas que venham a proteger os povos originários, seus territórios e a sua diversidade cultural, mas, sobretudo, que busquem garantir a preservação de seus direitos já conquistados, assim como quaisquer cidadãos.
Através dos estudos da Antropologia e da Paleontologia, acredita-se que a ocupação humana na América tenha iniciado há pelo menos 15 mil anos atrás, quando os primeiros agrupamentos de pessoas atravessaram o Estreito de Bering – situado entre os continentes da Ásia e América e, desde então, o continente americano foi povoado, gradualmente, no sentido norte-sul. Entre os vários povos que habitavam a América antes da chegada de Colombo, destaca-se os Astecas, Maias e Incas, devido a sua organização social e política, grandes populações e riquezas.
De acordo com James Lockhart e Stuart Scwartz, no momento da chegada dos europeus ao que chamaram de Novo Mundo, a estimativa é de que a população nativa na América era em torno de 57,3 milhões, mas outros estudos sugerem que ela possa chegar em até 112 milhões. Não existe um consenso e, por outro lado, as estimativas maiores até parecem ser um exagero. Ainda assim, as pesquisas lideradas por Daniel Villegas, economista e historiador mexicano, apontam que em 1521, a cidade de Tenochtitlán, capital do Império Asteca, possuía uma população estimada entre 80 mil e 200 mil habitantes e, se incluso as regiões periféricas, chegava aos 700 mil. Em níveis de comparação, as maiores cidades na Europa deste período eram Paris, Nápoles, Veneza e Milão, todas com pouco mais de 100 mil habitantes. Como mencionado, embora não haja um consenso sobre a população na América antes da chegada dos europeus, o que se pode constatar é que as cidades antigas do Continente Americano eram mais populosas em comparação aos principais centros na Europa.
Pelo ponto de vista dos europeus, a chegada da expedição de Cristóvão Colombo na América e todo seu desencadeamento nos anos seguintes foi uma descoberta, mas, para os povos nativos, trata-se de uma invasão, haja vista que já ocupavam e habitavam o continente há milhares de anos, bem como, conheciam o território, tinham raízes históricas e possuíam uma sociedade estruturada por um regime político próprio, leis, comércio, trabalho e cultura. De fato, tratar a chegada de Colombo na América como uma descoberta é nada mais do que uma visão eurocêntrica, que coloca a Europa e sua cultura no centro do mundo, que posiciona os europeus como os protagonistas da história mundial, sendo eles o modelo de civilização, pensamento, comportamento e intelectualidade. Também, a visão etnocêntrica foi responsável por impossibilitar o reconhecimento dos nativos americanos como seres humanos, mas, sim, como animais selvagens, incivilizados e possuidores de uma cultura atrasada e primitiva. Este olhar humano não reconhece o diferente, passa a tratar o outro com estranheza, preconceito, hostilidade e violência, passa a valorizar ao máximo sua própria cultura e desvalorizar a do outro. Logo, não reconhece a cultura do outro como algo diferente e possível. Ora, este olhar preconceituoso ainda permeia no século XXI sob a América, a armadilha da narrativa eurocêntrica e etnocêntrica está armada e nos faz, ainda hoje, enxergarmo-nos de baixo para cima e nos sentir inferior ao povo europeu e a tudo o que vem da Europa. Isso nos faz refletir o quanto é importante conhecermos nossas origens, nossas múltiplas identidades e a história.
No Brasil, os casos de racismo e xenofobia, frequentemente denunciados pela mídia nacional e internacional, envergonham nosso país e, ao mesmo tempo, mostram que a rejeição e a aversão aos povos nativos têm ganhado força nos últimos anos. Infelizmente, também mostram que nós, brasileiros e brasileiras, ainda precisamos aprender a respeitar o diferente e a conviver com a pluralidade cultural.