Foto: fifa.com
21/11/2022 – 07:09:04
Luiz Felipe
A Copa do Mundo FIFA 2022, no Qatar, iniciou oficialmente ontem (20) e contou com uma abertura de quase 30 minutos. Quem assistiu de casa achou um belo espetáculo, mas está longe de ser o melhor; claro que a pirotecnia, a tecnologia e o cheiro do dinheiro do petróleo estavam presentes e, de fato, deram um ar de grandiosidade no começo da cerimônia, que contou com participação exclusiva do ator Morgan Freeman narrando e atuando. E se a temperatura no estádio era baixa por conta dos aparelhos de ar condicionado que foram instalados devido ao alto calor (apesar do calor, muita gente reclamou de frio dentro do estádio) do deserto do Oriente Médio, mais frio ainda era o clima nas arquibancadas do estádio. Numa tentativa de agradar os mais de 60 mil torcedores que acompanharam a abertura, os organizadores distribuíram uma sacola com brindes para cada espectador que estava no estádio, que continha bandeiras, adesivos, imãs de geladeira, bola e outros itens.
Com animadores de torcida, os únicos animados com tudo eram os equatorianos, que após a abertura iriam assistir a primeira partida entre os donos da casa e a seleção do Equador, que terminou em 2×0 para os sul-americanos, que nem precisaram se esforçar muito, pois o futebol da seleção do Qatar parecia uma verdadeira várzea, estava pior que a nossa série D do campeonato brasileiro. E por falar em americanos, os torcedores de todo o continente americano que estavam dentro do estádio puxaram um coro de protesto contra o veto à venda de cervejas durante o Mundial: “queremos cerveza” gritavam os equatorianos, argentinos e espanhóis que se amotinaram em um quadrante do estádio. Quando não havia protesto e todo o fervor da torcida americana, o silêncio também se fazia presente nas arquibancadas; os qataris contavam com animadores de torcida, que até entoavam cantos do país, gritavam o nome do país, mas a torcida mantinha-se muda nas cadeiras, os homens de branco e as mulheres de preto.
Quando o futebol de várzea da seleção do Qatar começou a aparecer, boa parte da torcida abandonou o estádio e, segundo correspondentes esportivos da Inglaterra, em um movimento que jamais teria acontecido há 10 anos no Qatar, mulheres deixaram as arquibancadas reclamando do time e com críticas ao técnico qatari. Para muitos jornalistas, esse é um marco dessa copa: mulheres opinando dentro dos estádios, algo que até pouco tempo os “costumes” do país não permitiam. Mas se engana quem pensa que a civilidade corre solta no Oriente Médio. Todavia, uma crítica é necessária: mesmo com todos os erros e violações dos direitos humanos, o presidente da FIFA está correto em certo ponto ao reclamar da hipocrisia dos europeus e americanos ao criticar o Qatar, como se países europeus fossem exemplos de respeito aos direitos humanos, quando os mesmos que apontam os problemas com os imigrantes no Qatar e o trabalho quase escravo no país, esquecem que isso também acontece em seus países chamados de primeiro mundo. A mesma pobreza que circunda a belíssima Doha, também está presente no subúrbio de Paris, de Nova York, de Madrid, Roma, Barcelona, Londres.
E se há quem defende duramente que a FIFA errou o pulo ao concordar com a sede do mundial no Qatar, outros caminham em direção oposta, isso porque a entidade nunca deu ouvidos para críticas e já se envolveu em diversas polêmicas, de racismo a flerte com ditaduras. Mas os (quase) improváveis desastres de relações públicas para a Fifa, ainda que tenha sido comprada com o dólar resultante do petróleo do Qatar, a fonte de riqueza do Oriente Médio, Infantino, o presidente da FIFA, terá de lidar publicamente com os boicotes de artistas como a colombiana Shakira e os ingleses Dua Lipa e Rod Stewart, este – segundo fontes britânicas, teria recusado um cachê de US$ 1 milhão. Entre as atrações que compareceram ao evento, estava Jung Kook, do grupo sul-coreano de K-pop BTS; alguns jornais também davam como certa a presença do grupo Black Eyed Peas, mas que não deram o ar da graça. Coube aos organizadores recuperar sucessos de copas passadas, como o single “Waka Waka (This Time for Africa)” que balançou todo o planeta durante a copa da África do Sul, interpretado pela colombiana Shakira, que por acaso, não compareceu ao evento. Outro hit lembrado foi “Wavin’ Flag” música promocional do artista K’NAAN, que contou com aporte milionário da Coca-Cola também durante o mundial na África do Sul.
Mas quanto ao Qatar, é um país com diversas curiosidades, para se dizer o mínimo e também com grandes problemas, a começar por uma ditadura. Independente do Reino Unido na década de 1970, o Qatar é um país peninsular, com regime monárquico-ditatorial, com um primeiro-ministro fantoche, que está situado no Oriente Médio imerso na Grande Península Arábica e banhado pelas águas do Golfo Pérsico; possui uma população de aproximadamente 2,8 milhões de habitantes distribuídos em um território de 11 mil km², quase o mesmo tamanho da cidade de Manaus, capital do Amazonas; seu idioma oficial é o árabe e a religião o Islamismo. O comando da monarquia cabe, atualmente, ao Emir (título para governante no mundo muçulmano – descendente de Maomé) Tamim Bin Hamad Al Thani, que assumiu em 2013, quando seu pai renunciou. O pai de Tamim, Hamad Al Thani, orquestrou um Golpe de Estado que removeu o próprio pai, o avô de Tamim, do trono do Qatar.
Entre as principais críticas à FIFA por realizar o mundial no país árabe está o fato de que a homossexualidade é considerada crime no país, além dos crimes contra trabalhadores em situação análoga à escravidão. Em uma coletiva de quase uma hora, o presidente da Fifa, Gianni Infantino, disse que vê como hipocrisia as críticas dos europeus ao Qatar e também disse que o continente deveria pedir desculpas pelos próximos três mil anos. Em seu texto, Infantino lembrou fatos como as portas fechadas para refugiados de guerra que procuraram abrigo na Europa e nos Estados Unidos. Durante o auge da guerra civil na Síria, a maioria dos países europeus fecharam as portas e mandaram de volta para a guerra refugiados sírios que fugiam do país. Todavia, o mea culpa não pode servir para passar pano para os crimes que acontecem no Qatar com aval do governo, como intimidação da imprensa e de turistas homossexuais.
Há quem defenda dizendo que se trata da cultura do país e que ela não pode ser ocidentalizada ou “europeizada”. Mas quando se trata dos direitos humanos, não é cultura do Oriente Médio ou da Europa, é um abuso contra os direitos básicos de qualquer ser humano. Se de um lado quem não quiser se expor às leis draconianas do Qatar é só não comparecer ao país, conforme defendem alguns, de outro lado também existe o interesse do Qatar em sediar um evento desta magnitude, que ao abrir as portas para um evento com predominância no Ocidente, deveriam estar cientes de que o Ocidente em peso iria desembarcar por lá. O que não faz sentido algum é o discurso do governo de acusar o ocidente de racista e de xenofóbico por tecerem críticas ao país. O Qatar precisa rever muitas coisas antes de se vitimar como alvo de preconceitos por parte do Ocidente.
O que tem colocado a FIFA também em maus lençóis com patrocinadores e fãs do esporte é a recente proibição da venda de cervejas aos arredores dos estádios, proibição que chegou apenas dois dias antes do início do evento. O acordo inicial entre o governo e a FIFA permitia a venda fora dos estádios. A marca Budweiser – que possui um contrato de mais de 70 milhões de dólares com a FIFA, não poderá vender suas cervejas conforme programado. A empresa prometeu todo o carregamento de cerveja ao vencedor do mundial.
Já no caso de alimentos, os problemas também afetam diretamente algumas delegações de países competidores na Copa do Mundo como a Espanha. Os cozinheiros da seleção espanhola costumam embarcar quilos e mais quilos de presunto para o cardápio dos jogadores da Espanha, mas para o islamismo o porco é imundo e não faz parte da alimentação dos islâmicos, assim como para os judeus. Linguiça, presunto, bacon não poderão entrar no país. As tradicionais vendas em foodtrucks que ocorrem em diversos países mundo afora também não poderão ocorrer, principalmente porque a maior parte dos alimentos vendidos, como cachorro quente, por exemplo, é feita com salsicha feita à base de carne suína, diferente do nosso cachorro quente brasileiro, em que se utiliza a salsicha de base aviária.
O sistema do Qatar – que nos parece inacreditável – também é rigoroso com demonstrações de afeto em público, seja entre pessoas do mesmo sexo ou não. Abraços, beijos e uma caminhada de casal com mãos dadas não é nada recomendado no país. O mesmo vale para as roupas femininas: saias ou shorts muito curtos, assim como blusas que deixem os ombros à mostra ou decotes também não são indicados. Embora haja uma tolerância maior com estrangeiros em visita ao país, as autoridades locais podem orientar ou até mesmo abordar turistas e dar voz de prisão se for o caso de descumprimento de leis do país.
O mundial do Qatar, de certa forma, só ocorrerá diante de uma ampla quantia “investida” no evento e também destinada para os cofres da FIFA. O futebol e a Fórmula 1 são eventos muito queridos pelo mundo árabe e são mercados que movimentam milhões de dólares em um único dia; a Fórmula 1 é um exemplo tradicional. Na temporada de 2021, a F1 lucrou mais de US$ 90 milhões, o equivalente a quase meio bilhão de reais, pouco menos do que a quantia do orçamento do município de Guarapuava para o ano de 2022. Mas no caso da FIFA, o lucro que a entidade deve gerar é de US$ 7 bilhões – equivalente a 37 bilhões de reais, quase três vezes mais o que a Rússia gastou para sediar a Copa de 2018; valor também próximo do que gastou o Brasil – que ainda apresenta obras inacabadas desde 2014 e estádios que não possuem utilidade alguma e que foram construídos.
A única certeza é de que o lobby continuará a existir em todo segmento esportivo, político, empresarial e sempre irá dar muito retorno, afinal, estamos falando do evento mais importante da Terra, que supera as Olimpíadas em questão de adeptos, investidores, patrocinadores e transmissão. Mas o mais certo é que todos, pelo menos a maioria, esperamos pela sexta estrela na camiseta da amarelinha e emendar uma comemoração de hexacampeão mundial com Natal e Ano Novo. Esperamos que no dia 18 de dezembro possamos gritar Hexacampeão!
• Historiador •
Formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro;
Professor de História e Sociologia;
Pesquisador.
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