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É preciso repensar a política industrial

Foto: Reprodução/Hora do Povo

25/05/2024 – 07:01:20

André Luís A. Silva

No dia 25 de maio, no Brasil, é celebrado o Dia Nacional da Indústria, que tem como propósito enfatizar a relevância deste setor para a economia e o desenvolvimento do nosso país, bem como, a necessidade de promover a idealização de novos projetos que valorizem, inovem e tornem mais competitiva a matriz industrial brasileira. Nos últimos anos, a data tem se tornando cada vez mais importante para o setor que, já há algumas décadas, vem enfrentando revezes.

As primeiras indústrias no Brasil surgiram entre os anos de 1808 e 1930, estavam ligadas à extração mineral, à produção de calçados, tecidos e alimentos. Eram indústrias retraídas que abasteciam nosso pequeno mercado interno, e pouco impactavam na economia do país. Por esta razão, não é possível conceituar o Brasil como um país industrializado, ou que estava passando por um processo de industrialização, assim como estavam as principais potências capitalistas daquela época. O fato é que, até as três primeiras décadas do século XX, o Brasil era um país agrário que ainda mantinha a estrutura econômica do século passado, baseada, principalmente, na monocultura de café e de cana-de-açúcar. Até mesmo as ferramentas rudimentares para o trabalho na agricultura, como facões, enxadas e foices eram importadas, o que mostra o tamanho da nossa pobreza industrial daquele período.

De acordo com o historiador brasileiro, Boris Fausto, é tardio o processo de industrialização do Brasil, que só começou a se desenvolver com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, no ano de 1930. Ainda segundo o autor, a industrialização do Brasil era parte da implementação de um plano nacional de desenvolvimento econômico que tinha como objetivo a construção de um Brasil moderno, o fim da dependência externa e a soberania do nosso país enquanto nação.

A partir de então, o governo de Getúlio Vargas foi responsável pela criação da nossa indústria de base, energia e infraestrutura. Neste período, destacam-se a fundação da Companhia Siderúrgica Nacional (1940), a Companhia Vale do Rio Doce (1942), a Fábrica Nacional de Motores (1942), a Companhia Nacional de Álcalis (1943) e a Companhia Hidrelétrica São Francisco (1945). Os recursos para estes empreendimentos vieram basicamente de três fontes: impostos, impressão de moeda e empréstimos internacionais de longo prazo, que na época foram contratados a taxas de juros baixos. Em sua segunda passagem pela presidência da República, no início da década de 1950, o governo de Getúlio Vargas também foi responsável pela criação do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDE), em 1952, e da Petrobras, no ano de 1953, além da viabilização do projeto de criação da Eletrobras, apresentado em 1954, mas que só foi aprovado pelo Congresso Nacional no ano de 1961.

Os governos que sucederam a Getúlio Vargas levaram adiante seu projeto desenvolvimentista, que tinha como eixo central o desenvolvimento da indústria brasileira. Neste sentido, o governo do presidente Juscelino Kubitschek, famoso pelo slogan de campanha: “cinquenta anos em cinco”, foi responsável pela criação de Furnas Centrais Elétricas, no ano de 1957, pela Usina Hidrelétrica de Três Marias, em 1961, e pela abertura do capital estrangeiro para a criação da indústria automobilística no Brasil, momento em que multinacionais como General Motors, Volkswagem, Ford e Willys Overland se instalaram no país. O governo de Juscelino Kubitschek também foi responsável por incentivar a indústria civil, pois durante seu mandato presidencial foram abertos mais de 14 mil quilômetros de rodovias e construída uma nova sede para capital federal, a cidade de Brasília.

Mesmo após o golpe civil-militar de 1964, os governos militares que assumiram o poder, embora fossem antivarguistas, não abandonaram a política-econômica desenvolvimentista iniciada por Getúlio Vargas, em 1930. Neste período, os principais avanços industriais são a criação da Embraer (1969), a Indústria de Material Bélico do Brasil (1975), e o estímulo à fabricação de automóveis puramente nacionais, como no exemplo da Gurgel Motores, criada em 1969. Também, vale mencionar a criação da Nuclebrás Equipamentos Pesados, no ano de 1975, e a aprovação do projeto da Hidrelétrica Itaipu Binacional, ainda no mesmo ano, mas que só começou a operar em 1984.

A industrialização do Brasil entre os anos de 1930 e 1980 se concentrou, basicamente, em quatro estados da federação: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, o que levou à formação do que o geógrafo Milton Santos chamou de região concentrada, uma vez que o território não foi apenas um palco para a industrialização do Brasil, mas, sobretudo, um ator na dinâmica do desenvolvimento econômico e social brasileiro. Com efeito, o processo de industrialização foi um dos principais responsáveis pelo êxodo rural e por importantes avanços sociais, como a implementação do salário mínimo, o aumento da população com renda mensal, empregos qualificados e a consolidação das leis trabalhistas que protegem os trabalhadores. Em 1938, foi criada a Confederação Nacional da Indústria (CNI), instituição máxima que organiza o setor industrial brasileiro e, a partir dele, foram criados o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), em 1942, o Serviço Social da Indústria (SESI), em 1946, e o Instituto Euvaldo Lodi (IEL), no ano de 1969, que fazem parte de uma ampla rede nacional de apoio ao setor industrial brasileiro, presente em todas as 27 federalizações e que há décadas ajudam a elevar o nível educacional e a qualificação profissional dos brasileiros, assim como a produtividade, a inovação e a competitividade das indústrias.  

Puxado pela rápida industrialização do país, entre os anos de 1932 e 1980, o PIB brasileiro cresceu, em média, incríveis 6,75% ao ano. E teve picos de crescimento de 10,8%, em 1958, e 14%, em 1973. Durante estas cinco décadas, o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo, entretanto, depois de 1980, nunca mais tivemos crescimento expressivo. Entre os anos de 1981 e 2020, por exemplo, o crescimento do PIB foi, em média, 2,05% ao ano. De acordo com os dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a mesma indústria que, em seu auge já respondeu por 35,9% do nosso PIB, hoje tem participação de 20,4%, e voltou a ser o que era há um século atrás.

O economista Celso Furtado, em sua célebre obra Brasil: a construção interrompida, elenca os principais motivos da destruição de nosso projeto nacional de desenvolvimento. Segundo o autor, pós década de 1980, o Brasil entrou em um cenário de desindustrialização, inicialmente, afetado pelas crises mundiais do petróleo dos anos de 1973 e 1979, porém, o alto endividamento externo, juros altos, hiperinflação, ausência de poupança nacional, instabilidade política e jurídica, a emergência do neoliberalismo e da globalização contribuíram para a falta de competividade das nossas indústrias, endividamento e, consequentemente, sua destruição.

Nosso passado recente nos mostra que o modelo de industrialização do século XX talvez não seja mais adequado na contemporaneidade, assim como o entendimento de que, em alguns setores, como robótica e nanotecnologia, não são ambientes que nossas indústrias conseguem ser competitivas, tampouco inovadoras, para que possam fazer frente as indústrias dos países asiáticos (Japão, Coreia do Sul, Singapura, China e Taiwan), que produzem com baixo custo, grande escala e imensa sofisticação tecnológica. Entretanto, não há dúvidas de que existem setores que temos ampla vantagem competitiva, a exemplo da indústria de petróleo, petroquímica e gás natural, mineração, siderurgia e metalurgia, energia elétrica limpa, agroindústria e demais bens de consumo relacionados à alimentação. E ainda possuímos um grande potencial a ser explorado em outros setores, como a indústria farmacêutica, a defesa, a construção civil e o turismo.

O fato é que nosso PIB não pode ficar dependente do crescimento da economia primária (agricultura, pecuária e extrativismo), e do setor terciário (comércio e prestação de serviços), precisamos de um setor secundário robusto e dinâmico, que é onde está a indústria, um potente motor da nossa economia que está perdendo força ao longo das últimas décadas. Por isso, é mais do que necessário uma nova política de industrialização para o Brasil, que resultará na abertura de outras centenas e milhares de pequenas indústrias de apoio, que promoverá o trabalho técnico, a gestão, o empreendedorismo e que, certamente, contribuirá para o avanço científico e tecnológico do país, tendo em vista que a indústria moderna e inovadora do século XXI está cada vez mais conectada aos institutos de pesquisa e universidades públicas e privadas.

Uma nova política industrial faz parte de um projeto de soberania nacional que deve ser induzido e planejado pelo Estado, tendo a iniciativa privada como parceiro naquilo que for conveniente a ela investir. Além disso, este projeto deve ser elaborado e adaptado para as nossas demandas, conforme a defesa de nossos interesses frente a tentativas de sabotagens e/ou desestabilização por parte dos concorrentes estrangeiros. Defender uma nova política industrial para o Brasil é afirmar as nossas vantagens comerciais e tecnológicas frente ao mundo cada vez mais competitivo, é proteger os nossos empregos, a nossa independência e soberania enquanto nação.

André Luís A. Silva

Historiador, Professor e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná