Foto: Reprodução/The Royal Family
09/05/2023 – 12:13:55
Luiz Felipe
Os britânicos assistiram neste último sábado, 06, a uma cerimônia que aconteceu pela última vez há 70 anos, em junho de 1953, quando a então princesa Elizabeth ascendeu ao trono como rainha após a morte precoce do pai, o Rei George VI, em fevereiro de 1952. Embora outras monarquias tenham coroado reis e rainhas pelo mundo afora, a monarquia britânica é a única que ainda resiste em pé às mudanças de um mundo totalmente diferente, em que não há mais espaço para a monarquia, um regime que está quase por inteiro nos livros de história da Europa medieval e moderna.
A coroação de Charles III como Rei do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte e de mais 14 estados ultramarinos soberanos e independentes, além de chefe da Commonwealth, a comunidade das nações, ex-colônias que pertenciam ao império britânico e que hoje representam 56 estados independentes, dos quais 15 reconhecem Charles como seu chefe de Estado, marca o início oficial de um novo período para a monarquia britânica, principalmente porque os últimos 100 anos foram vividos da mesma forma, no seio de confiança entre irmãos e sobrinhos, com Eduardo VIII e George VI, irmãos, e a rainha Elizabeth, que se viu sendo preparada ainda na infância para assumir o lugar do pai.
E como em um filme ou série ambientada na Europa medieval, os convidados para o triunfo de Charles estavam vestidos em seus trajes reais, alguns com fardas militares, outros com pomposos casacos, capas, coroas e cetros. Estavam presentes, também, outros monarcas como o rei e a rainha da Espanha, além de chefes de Estado e de Governo como os presidentes Emmanuel Macron, da França, Lula, do Brasil, o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, o ex líder britânico Boris Johnson e o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau. O palco foi a lindíssima Abadia de Westminster, de estilo gótico com seus 754 anos de fundação.
A transmissão também revelou o pequeno George, segundo na linha de sucessão do trono britânico, fazendo as famosas caras e bocas como qualquer criança entediada e um tanto quanto rebelde, sem os devidos limites, como dizem alguns. E outra coisa que ficou no ar também foi o custo da festança que durou cerca de três horas, com direito a apresentação da Real Força Aérea (RAF) e com tiros de canhão em terra e também de navios reais. Quanto custou e quem paga essa conta?
Segundo a revista Time, todo o evento custou cerca de 100 milhões de libras esterlinas, que convertidos simbolizam o montante de 624 milhões de reais. Para efeitos de comparação, o orçamento anual do Município de Guarapuava para o ano de 2023 é de 607 milhões de reais. E quem paga a conta? Os contribuintes britânicos. Antes da coroação, Charles III chegou a dizer que dispensaria toda a pompa, pois ele sabe que o maior desafio do governo é equilibrar as contas, já que os britânicos, em especial os ingleses, enfrentam um momento difícil com a inflação elevada, que chegou aos 10,4%. Na visão de alguns economistas, o governo precisará adotar medidas rígidas se não quiser ver a marca atingir os 18%. Esse é o maior índice em 40 anos.
A inflação elevada, a alta no desemprego e o custo da coroação trazem novamente à tona os protestos pelo fim da monarquia e o gasto enorme que dá para os contribuintes. Uma pesquisa feita pelo governo britânico com pessoas acima de 18 anos, revelou que 50% dos entrevistados disseram que não concordam com dinheiro público sendo usado para custear cerimônias da monarquia, enquanto que 32% concordam e 18% não souberam responder. A coroação de Elizabeth II, mesmo luxuosa, custou a metade da coroação de Charles III. A cerimônia para Elizabeth consumiu 1,5 milhão de libras, que em valores corrigidos chega aos 57 milhões de libras, equivalente a 300 milhões de reais.
Todo o luxo com ostentação de joias e objetados cravejados com pedras preciosas – convém lembrar – são oriundas da escravidão e da exploração que a Coroa fez em diversos territórios que eram suas colônias mundo afora. A coroa real, por exemplo, que pesa em torno de 2kg, possui um diamante de 530 quilates, que vale aproximadamente US$ 2 bilhões, o equivalente a 10 bilhões de reais. Vale lembrar que diversos países como a Índia, África do Sul, Afeganistão, entre outros, já pediram que as joias da coroa sejam devolvidas a seus legítimos donos, uma vez que foram surrupiadas dos territórios na época do império britânico. Alguém um dia disse que as pirâmides de Gizé só ficam no Egito porque são grandes demais para serem transportadas para o Museu Britânico.
A verdade é que a monarquia, ainda que existam 44 delas, é um relógio de areia em um mundo digital, onde não há mais espaço para ela. Uma a uma, a tendência é que caiam, mas com a sutil diferença de que seus monarcas não serão pendurados pelos tornozelos ou exilados, assassinados como ocorreu com diversos reis, czares, kaisers e outros monarcas. A monarquia é um delírio coletivo que não possui mais espaço e nem razão de existir e, mesmo que “The Crown” seja animador para assistir, a Coroa não tem um porquê de existir. O pai do príncipe Philip, marido da rainha Elizabeth, foi o último rei da Grécia antes da tomada do poder pelos militares. O mundo viu sua última rainha do século passado morrer, mas a pergunta que fica é: quem será o último Rei da Inglaterra?
No Brasil, uma meia dúzia de lunáticos ainda faz “resistir” a monarquia, inclusive com movimentos organizados pela internet e com pronomes de tratamento como “vossa alteza” ou “príncipe real”. A casa real portuguesa têm alguns de seus membros ainda vivos, bisnetos e trinetos de Dom Pedro II, como “Dom” Bertrand, que seria o sucessor natural se o trono ainda existisse.