OPINIÃO

Geração Z: os fiscais (chatos) de tradução e dublagem em filmes e séries

Foto: Reprodução/Netflix

27/12/2022 – 07:10:01

Luiz Felipe

O novo sucesso de audiência da Netflix chegou ao Brasil em novembro e desde então já rendeu um fórum de discussões no Instagram, Facebook e é claro, no Twitter. Estou falando aqui de “Wandinha” (Wednesday – em inglês), que tem como os principais críticos não os diretores de cinema, atores, roteiristas ou gente do meio, mas o público em si, que não cismou com o enredo ou com os personagens, mas encarnou – como sempre – com as traduções e adaptações para o português, assim como com a dublagem em português.

Assim como existe o tiozão mala sem alça que critica a dublagem brasileira, dizendo que ela retira toda a originalidade da produção, tem também o nerd chato que se incomoda com as traduções ou alterações que os estúdios no Brasil ou em qualquer outra parte do mundo fazem nas obras para adaptá-las ao público local.

E talvez seja injustiça minha a questão do título desta coluna, porque a geração Z é mala, mas não fica atrás dos “antigamente não tinha isso”. A título de curiosidade, as divisões das gerações é uma classificação sociológica que nem sempre tem um consenso entre os pesquisadores, mas que estabelece “cortes” para classificar as gerações.

A primeira classificação é a baby boomers, os nascidos no pós-segunda guerra mundial, entre 1945 e 1964. É importante destacar, porém, que o corte para os boomers surgiu especialmente na Europa e nos Estados Unidos. Há quem defenda que no Brasil, por exemplo, isso não se aplica e que a nossa geração boomer seria a de 1964 a 1986. Mas isso é história para outro momento. Por enquanto ficamos com a classificação do pós-segunda guerra.

Depois da geração dos boomer, temos a geração X, que para a maioria são aqueles nascidos entre 1965 e 1980; seguidos pela geração Y, que são classificados como os nascidos entre 1981 e 1997 para a maioria dos sociólogos, que é a chamada geração do milênio, a pré-internet. Entre 1997 e 2010 há a chamada geração Z, a geração do “zapear”. Zapear é o nome que se dá ao hábito da rápida mudança de canais de tv, emissoras de rádio, de forma a encontrar algo que lhe desperte interesse, tudo por meio de um controle remoto (para os nascidos até 1995) e tudo pelo clique na tela do tablet ou do smartphone para os nascidos depois de 2006.

A geração Z é a primeira a nascer dentro da bolha da internet, do mundo com tecnologia muito mais avançada como o sinal 4g de internet, por exemplo. Ela também é seguida de muito perto pela chamada geração Alfa (referência a primeira letra do alfabeto grego) por serem os nascidos totalmente no século XXI, sendo filhos – em 80\% dos casos – da geração Y. É a geração nascida entre 2011 e 2019.

Para muitos pesquisadores e especialistas do ramo de comunicações, já existe uma nova geração em andamento, que é a pós-covid 19. Os elementos que sempre transformam uma sociedade, ao menos para os historiadores, são guerras, revoluções e epidemias. Neste sentido, os nascidos entre 2019 até 2030, pelo menos, já são classificados como geração C.

Mas voltando ao tema central desta coluna, da crítica às traduções ou adaptações que os estúdios brasileiros acabam fazendo, quem não se lembra das dublagens brasileiras para um dos seriados mais famosos do mundo, o Chaves. Estamos falando de uma série que em alcance orgânico, isto é, sem o streaming ou internet, foi transmitida para mais de 50 países e dublada em mais de 50 idiomas, isso porque alguns países possuem mais de um idioma, como é o caso da Índia, em que a série foi dublada em hindi e inglês. Ainda em 2011, a série era transmitida por 20 país. No Brasil, Chaves fez mais sucesso do que no país de origem, o México, país em que o título original é “El Chavo Del Ocho” – O Chaves do 8, em português, referindo-se à casa de número 8, onde a personagem realmente morava.

Em Chaves, são vários os diálogos adaptados para o Brasil, mas separei três aqui que nos fazem entender melhor os episódios. No episódio 162, de 1977 – “Vamos Todos a Acapulco”, o famoso paraíso tropical mexicano, a cidade de Acapulco, torna-se a cidade de Guarujá, no litoral paulista. Na chega ao Hotel, seu Barriga confidencia a Chaves que sempre que vai ao Guarujá se hospeda naquele hotel. Em outro episódio intitulado “História do Brasil”, o pano de fundo é o feriado da independência do Brasil, mas que na versão original cita pequenas passagens da história mexicana e o tema central é a nova atividade de seu Madruga como vendedor de artigos de festas para as pessoas que estão comemorando a independência.

E talvez um dos mais assistidos pelos brasileiros é o episódio do dia de São Valentim, que é o nosso dia dos namorados aqui no Brasil, mas com a diferença de que no exterior é comemorado em fevereiro e não em junho. Nesse episódio, Chiquinha quer enviar uma carta especial do dia de São Valentim e está em dúvida sobre a forma correta de escrever a palavra e pede ajuda ao Chaves, que claro, se enrola para responder. Em português, a pergunta é a seguinte: […] “mas não sei se é com ‘b’ de burro ou ‘v’ de vaca”, Ela está se referindo a palavra “Valentim”. Acontece que em português, especialmente no Brasil, o diálogo – apesar de cômico pelas trapalhadas de Chaves – não faz muito sentido. Mas em espanhol é perfeitamente comum e entendível.

A sacada de todo o diálogo consiste, segundo a professora do Departamento de Letras da Unicentro, Gabrieli Borges, no fato de que as letras ‘b’ e ‘v’ possuem o mesmo som, sendo possível captar a diferença apenas quem é fluente no idioma ou pelos próprios nativos. Dessa forma, explica a professora, que mesmo escrevendo com ‘b’, isto é, ‘Balentin’, a pronúncia seria parecida com ‘Valentin’ e por isso a confusão. Na dublagem brasileira, a graça do diálogo consiste não na estrutura textual da conversa entre as personagens, mas como dito anteriormente, na própria confusão, ao passo em que seu Madruga está concentrado e Chaves apenas pergunta, do nada: “de burro ou de vaca”?

Mas falando em traduções, outro caso recente envolve uma superprodução também da Netflix, a série “Stranger Things”. Outro membro dos fiscais unidos de tradução e adaptações, questionou a gigante do streaming sobre a tradução do “nome” da personagem interpretada pela atriz Millie Bobby Brown. Na trama, a criança aponta o número “011” gravado no pulso quando perguntam seu nome. O internauta, indignado com a Netflix, disse que o nome não poderia ser traduzido por ser um nome próprio e para completar, disse que o nome de Will (Willyam Byers) não foi traduzido para “vai” (a tradução literal da palavra “will” em português). O que o jovem lacrador não se ligou nesta ocasião é que “Will” se trata de um nome próprio abreviado de Willyam, enquanto que “Eleven” não é o nome próprio da personagem, já que a própria trama revela que Eleven ou Onze, nasceu como Jane, portanto, o 011 era apenas uma denominação apontada por ela mesma e não o seu verdadeiro nome.

Esses não são casos isolados, sempre há uma encrenca relacionada a tradução ou adaptação de nomes de filmes e personagens das produções que serão exibidas no Brasil. O sucesso de bilheteria “The Hangover”, tornou-se no Brasil “Se Beber, Não Case”; assim como existem os títulos redundantes como “Moonlight”, que no Brasil ganhou um subtítulo: “sob a luz do luar” ou autoexplicativos, como é o caso do sucesso “Forrest Gump”, que foi emendado com “O Contador de Histórias”. Aí realmente não precisava, foi exagero.

Mesmo assim, é necessário entender o seguinte: as dublagens e as traduções de títulos, alteração de nomes de personagens, ocorrem justamente para incorporar o produto à cultura local. É bem verdade que alguns estúdios exageram e muito, como é o caso da gíria “tiras” para se referir aos policiais. Quem nunca assistiu um filme de sessão da tarde com um diálogo de: “corra, os tiras estão vindo”?

No caso da série “Wandinha”, a discussão começou quando o perfil da Netflix no Twitter respondeu a um rapaz que afirmava que o nome da série era “Wednesday” (quarta-feira) e não Wandinha. A Netflix, de modo sarcástico, respondeu “e vai continuar wandinha”. Confira abaixo:

Netflix responde a internauta que questionou alteração do nome da série. Fonte: Página “Monopólio da Disney”/Facebook – Reprodução

Neste caso, a tradução era totalmente inviável por dois motivos: o primeiro deles por ser um nome próprio “Wednesday Addams” e, em segundo, porque ficaria totalmente esquisito para o público brasileiro, ainda que seja uma história estrangeira. Nesse caso, a produção optou por seguir com a adaptação já feita das histórias originais de “The Addams Family” ou, em bom português “Família Addams”.

O nome de Wandinha, isto é, Wednesday, vem de um poema publicado em 1838, chamado “Monday’s Child” e em determinada parte do poema, há um verso que diz: “Wednesday child is full of woe”, que traduzindo significa: “a criança nascida na quarta-feira é cheia de aflições e desgostos”. O poema faz menção ao tipo de personalidade que a criança tem dependendo do dia da semana em que nasce. Entretanto, como revelado na trama, Wandinha nasceu em uma sexta-feira 13 e não na quarta.

A direção de dublagem da Netflix optou por manter o nome Wandinha não apenas pela clássica história dos Addams, mas também pelo fato da dificuldade que público poderia ter com a pronúncia de “Wednesday”. A boa dublagem não é aquela que se encaixa perfeitamente no timing do áudio original, mas é aquela capaz de contextualizar uma história já pronta e acaba e envolve-la diretamente com o público local. Lembra do exemplo com o episódio da história do Brasil no seriado Chaves. Como você acha que as falas foram dubladas na Espanha, por exemplo?

Ah! E lembra do famoso episódio em que Chaves está no cinema e insiste que era melhor ter ido ver o filme do Pelé? Pois bem, embora o rei do futebol tenha tido contato com Bolaños, o criador de Chaves e Chapolin, Chaves não faz menção alguma a Pelé, ele queria, na verdade, era assistir ao filme de “El Chanfle”. Ele diz: “Mejor hubieramos ido a veral Chanfle”, que era um personagem do novo filme de Roberto Bolaños.

Tudo isso faz parte do maravilhoso cenário do cinema, das séries, novelas e afins. E há um modo muito bom de não se estressar com isso se você é do time “sou contra dublagem e traduções”: assista com áudio original e legendado, amiguinho ou amiguinha. Se não tiver o original, assista na versão disponível para você e não encha o saco dos outros, principalmente nas redes sociais.


por:

Luiz Felipe de Lima

• Historiador •

Formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro;

Professor de História e Sociologia;

Pesquisador.

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