OPINIÃO

Meu Amigo Pedro

Imagem: Reprodução/letras.com

22/10/2022 – 09:26:52

Luiz Felipe

Parafraseando o químico Antoine Lavoisier, na natureza nada se cria, tudo se copia. Pelo menos é o que se pode se dizer do título desta coluna. Para os desavisados e hereges, o nome é uma cópia descarada da canção “Meu Amigo Pedro”, de Raul Seixas, lançada no álbum “Há 10 mil anos atrás”, de 1976.

Confesso que o estilo “porra loca” do Raul me causa inveja, porque nesses 27 anos tenho sido o Pedro, ainda que com alguma aventura ou outra, mas sempre sem arriscar, sem me lançar no escuro oceano das aventuras. A canção – que anda junto com “Ouro de Tolo” -, fala da mesmice cotidiana, mas em vez de falar de um contexto geral, fala de uma personagem em especial, que recebe o nome de Pedro, que nunca ninguém soube de fato se era uma referencia ao escritor Paulo Coelho ou ao próprio irmão de Raul, Plínio Seixas.

Pedro é o sujeito que faz tudo certinho, é regrado e sempre está a reclamar da solidão, que nunca sai da linha, que usa sempre o mesmo terno e sem saber que foi feito do ferro e fogo, isto é, é resistente e ardente, mas não conhece seu verdadeiro potencial e acaba por se impor limites, deixando sua vida estagnada, sempre no mesmo lugar. E o “Pedro onde cê vai, eu também vou”, é a afirmação de Raul de que nada adianta, todos vamos para o mesmo lugar, sem levar absolutamente nada desta vida.

Outro dia conversava com uma amiga, Amanda (a editora deste jornal maravilhoso onde vocês leem as maluquices que eu escrevo) e os dois idosos fofoqueiros, cada qual no seu cantinho, ela em Ponta Grossa e eu em Guarapuava, chegamos à conclusão de que o mundo é mesmo uma bagunça. Ao mesmo tempo em que nos tornamos jovens independentes, que são capazes de se virar por conta própria no mundo, diferente dos perdidos que mal sabem fritar um ovo, eu percebi que nossa vida é uma mera reação, sem esboçar nada mais além do que uma reação ao mundo. As pessoas continuam acordando cedo (eu não) e seguem para os seus trabalhos, para o seu dia a dia, para os seus escritórios lotados de trabalho e de outras pessoas fazendo exatamente a mesma coisa.

E fica pior: no fim de semana costumamos encher a cara, assistir futebol ou ir para algum lugar com os amigos para reduzir o estresse e na segunda-feira estamos todos de novo no mesmo inferno. É a coisa mais ridícula, mas é isso que estamos fazendo: reduzindo a nossa própria capacidade de conquistar coisas, conhecer lugares, experimentar outras culturas, hábitos, sonhos e assim por diante, mas tudo isso tornou-se impossível porque o capitalismo nos obrigou a vender metade do nosso dia a preço de batata e chamamos isso de estilo de vida. Passamos 8h, ou mais, trancados em escritórios e até 10h em fábricas ou em trabalhos pesados para continuarmos a manter o que chamamos de vida.

O mais triste em todo esse aspecto é: eu queria ter outra vida, mas é apenas essa que a gente tem e no fim, não tenho medo de morrer, mas tenho pena, tenho dó. Pena em largar tudo isso, deixar para trás pessoas que eu realmente gostaria de encontrar um dia, mas o meu lado racional, de crente na ciência não me deixa muito crente na ideia de que há um depois da nossa decomposição aqui neste lugar chamado Terra. Queria muito acreditar em um “céu”, um paraíso ou que um dia voltaremos para esse lugar, seja no corpo de cachorro, como outro ser humano, como uma árvore ou sabe deus o quê. Até chega a bater uma crise existencial, mas morrer é um processo que vamos encarar um dia. E como disse Raul: sei que determinada rua que eu já passei não tornará a ouvir o som dos meus passos.


por:

Luiz Felipe de Lima

• Historiador •

Formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro;

Professor de História e Sociologia;

Pesquisador.

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