OPINIÃO

Não dá para tocar tambor para um louco dançar

Foto: Freepik

08/07/2022 – 07:34:35

Luiz Felipe

Sinceramente eu nunca entendi a linha de raciocínio em ter que explorar temas ofensivos e totalmente desrespeitosos para fazer as pessoas rirem. De um lado temos aqueles que defendem que tudo é passível da atuação do humorista, do racismo à misoginia e que reclamam do excesso do chamado “mimimi”. De outro, temos as pessoas que se levantam contra esse tipo de prática abominável que parte do princípio de ofensa a terceiros para “gerar graça”. E o pior: tem gente que paga por isso e é por esse motivo que as coisas continuam do mesmo jeito.

Quando o “comediante” Léo Lins utilizou de uma doença séria como a hidrocefalia para atingir dois públicos em uma sua “piada”, o bom senso já não existia desde a intenção em contar aquele texto preparado previamente. A liberdade de expressão é algo maravilhoso que o Estado de Direito concede aos cidadãos, mas todos nós temos que ter a consciência de que somos responsáveis por cada coisa que escrevemos ou falamos, seja no âmbito de uma conversa de boteco ou em uma coluna como esta, por exemplo. O limite que cada um tem que ter, seja na comédia ou não, é até que ponto isso pode atingir o outro de maneira negativa. O humor, sobretudo o brasileiro, criou o hábito de que a ofensa diária e sem tipo de freio algum é saudável, que tem de ser encorajada e aplaudida de pé nos teatros do país afora.

A mesma geração que hoje costuma chamar tudo de “mimimi”, uma expressão horrível, aliás, criada indiretamente pelo filósofo meu xará, Luiz Felipe Pondé, é o resumo de uma geração que cresceu sob a luz dos traumas de infância e adolescência, que era ridicularizada em público pelo que hoje chamamos de bullying, além dos crimes de racismo, homofobia, entre outros e que cresceu achando que tudo isso era normal. Essa mesma geração acha que racismo é frescura, acha que estupro ainda é culpa da mulher porque ela estava com roupas curtas, bêbada e dançando. Essa mesma geração cresceu sem fazer ideia de que todos esses traumas psicológicos iriam transformá-los em adultos totalmente repugnantes, radioativos, perigosos e totalmente desprezíveis. Dá para culpa-los? Em partes não, em partes sim. Crescer significa mudanças, mas também quer dizer aceitar essas mudanças, muitos acabaram buscando ajuda profissional, aceitaram que precisavam mudar, foram para a terapia e descontruíram o calabouço existente dentro das suas mentes. Outros se apegaram tanto a isso (especialmente homens) que a mente ainda continuou presa no ideal da exibição da força, no padrão natural de que o macho-alfa é o predador “natural da sociedade” e que deve se impor a qualquer custo, é o cara que precisa gritar para ser ouvido, que deve exalar sua masculinidade exibindo músculos dentro de uma academia ou sendo aquele que sai com uma mulher diferente a cada final de semana porque ele é o comedor, ele pega mesmo. Esse tipo de gente acha que tudo o que descrevi anteriormente é mimimi, é a personificação da banalização do mal citada por Arendt presente na nossa modernidade.

Nós até gostamos de pensar que somos uma sociedade evoluída, civilizada, mas na verdade o que existe é um grande véu preto sobre a nossa cabeça que nos impede de olhar a verdade nua e crua que ainda está presente nesse país. A hipocrisia e a síndrome de vira-lata que ainda cultivamos no Brasil faz com que tenhamos de importar formatos de programas de tv do exterior, copiar talkshows da tv estadunidense, expor pessoas humildes em rede nacional para dar uma casa em troca dessa humilhação para garantir alguns pontos de audiência ou exibir um programa lixo com assassinato às 17h em tv aberta, com crianças e donas de casa assistindo e achando tudo um absurdo, mas que depois se reúnem para assistir à novela tranquilamente. Para onde estamos indo?

Pensar no limite para todas essas questões, essencialmente do humor, é discutir sobre a nossa realidade pessoal, isto é, nós estamos aplaudindo o terror, estamos condenando, estamos fazendo o que para mudar tudo isso? Parte de nós resolveu se fechar dentro de suas bolhas sociais e comungar apenas com os nossos semelhantes, com aqueles que concordam que o azul é mais bonito que o vermelho e quem discorda é meu inimigo. A idiotice e o preconceito moldados pelo fascismo devem ser combatidas a qualquer custo, mas como? Vale mais um fascista falastrão com o seu público e cancelado pelo Twitter ou um fascista que possa ser trabalhado para deixar de ser um completo idiota? O que tem do lado de lá do muro onde nós não vemos? Eu desfiz algumas amizades por conta de eleições, por causa de gente que votou no Bolsonaro enquanto eu não votei. Alguém está certo em toda essa bagunça, a questão é saber quem, por que e se de repente tudo o que nós acreditamos mostra-se uma grande farsa, o que vamos fazer, botar o rabinho entre as pernas e voltar para casa com as orelhas abaixadas? Você, como eu, que não votou no Bolsonaro, pode apostar que do lado de lá tem gente que tem o mesmo pensamento que nós, porém com um vetor contrário, há pessoas para quem o ano está ótimo, que o governo está bem, assim como nós já estivemos um dia. Sempre alguém está bem com um governo; não há Luis XIV que não satisfaça pelo menos uma parte de Versalhes. Isso é um princípio: alguém sempre estará bem, seja na política, no humor pesado e preconceituoso, em qualquer área que seja. Nosso limite deve ser o bom senso e o respeito, não provocar aos outros aquilo que não queremos para nós.

Porém, não dá para romantizar a questão. Algumas pessoas simplesmente não estão dispostas a mudar e aí não dá para ficar tocando tambor para louco dançar. Respeito e bom senso é uma lição que todos os pais e mães (pelos menos assim se espera) nos ensinam enquanto crianças. Quem aprendeu, aprendeu… quem não aprendeu, paciência. É ensinar ou cancelar, vocês decidem.


por:

Luiz Felipe de Lima

• Historiador •

Formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro;

Professor de História e Sociologia;

Pesquisador.

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