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O Estado Novo que já nasceu velho

Imagem: Reprodução

10/11/2023 – 07:12:53

André Luís A. Silva

Em 08 de janeiro de 1938, no Brasil, deveria ocorrer uma eleição presidencial para definir um novo presidente da República, tendo em vista que o presidente em exercício, Getúlio Vargas, não poderia concorrer à reeleição, uma vez que não era permitido pela Constituição de 1934. Porém, alguns meses antes do pleito, mais especificamente, no dia 22 de setembro de 1937, os principais jornais da época publicaram o Plano Cohen, um documento falsificado pelo capitão do Exército Brasileiro, Olímpio Mourão Filho, e apresentado como um plano dos comunistas para tomar o poder de Getúlio Vargas. Em resposta ao iminente golpe, no dia 30 de setembro de 1937, o presidente solicitou ao Congresso Nacional a adoção do estado de guerra, que rapidamente foi aprovado.

A partir de então, foram quarenta dias de inúmeras ameaças às liberdades individuais e democráticas, prisões arbitrárias de opositores, repressão policial e fechamento de jornais, até que, na noite do dia 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas, com apoio das Forças Armadas, liderou um golpe de Estado, decretou o fechamento do Congresso Nacional e deu início ao período ditatorial que chamou de Estado Novo. O nome Estado Novo, nada mais era do que uma cópia da designação dada pelo regime político também imposto em Portugal, em 1933, pelo ditador nacionalista António de Oliveira Salazar.

De fato, poucas coisas já nasceram velhas e retrógradas quanto o Estado Novo no Brasil, imposto por Getúlio Vargas, naquele fatídico 10 de novembro de 1937. Com o golpe de Estado, foi outorgada uma nova Constituição ainda no mesmo ano, que teve como autor o jurista Francisco Campos, e que ficou conhecida como a Constituição Polaca, tendo em vista que era praticamente uma cópia da Constituição fascista da Polônia.

A Constituição Polaca legitimava o golpe de Estado, pois dava a Getúlio Vargas poderes plenos. Agora, a União poderia intervir nos estados, criar novos territórios e/ou desmembrá-los. Os símbolos estaduais, como bandeiras, hinos e escudos foram abolidos e queimados. Os interventores (governadores dos estados) não poderiam se deslocar de seus estados sem autorização prévia do governo federal. Getúlio Vargas colocou na ilegalidade todos os partidos políticos existentes na época, e a pena de morte foi admitida para crimes políticos. O cargo de vice-presidente também foi extinto.

Segundo o historiador Marco Antonio Villa, a ditadura do Estado Novo organizou um amplo aparato repressivo. A violência e a brutalidade policial eram a justificativa para garantir a ordem social. Prisões arbitrárias, principalmente, de opositores políticos se espalharam por todo o país. Só o Tribunal de Segurança Nacional condenou mais de 4 mil pessoas por meio de julgamentos sumários. A tortura foi uma das principais práticas instituídas pelo aparelho de repressão policial e política, muitas das vítimas não resistiram e morreram nos calabouços, outros, simplesmente, desapareceram. A censura também se fez presente durante o Estado Novo, com o pretexto de garantir a paz, a ordem e a segurança pública. Com efeito, vários jornais foram impedidos de veicular informações sobre o governo, e alguns passaram a ser controlados pelo regime, como no caso do jornal O Estado de S. Paulo, que foi tomado pelo governo, em 1940, e permaneceu sob controle estatal até 1945.

Em janeiro de 1938, o programa radiofônico Programa Nacional foi renomeado para Hora do Brasil, (atualmente, A Voz do Brasil), e passou a ter sua transmissão obrigatória por todas as emissoras do país, tornando-se um importante canal de comunicação entre Getúlio Vargas e a população, que escutava as realizações do governo.

Já no ano seguinte, em 1939, o governo foi além e criou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), um órgão público que serviu como um instrumento de censura e propaganda do regime. O dia do aniversário de Getúlio Vargas, 19 de abril, tornou-se feriado escolar, e várias biografias foram publicadas, cultuando e fortalecendo a imagem política do presidente.

O historiador brasileiro, Boris Fausto, enfatiza que as celebrações do dia 1º de Maio foram tomadas pelo governo como um momento de promover o novo regime e aproximar as ações populistas de Getúlio Vargas com os trabalhadores, que sempre fez questão de deixar evidente a diferença de seu governo com os anos da República Velha, expressão usada para designar os governos da Primeira República (1889 – 1930). De fato, durante o Estado Novo houve grandes avanços para a classe trabalhadora, pois Getúlio Vargas, em 1939, criou a Justiça do Trabalho, em 1940, implantou o salário mínimo e, em 1943, adotou uma moderna legislação trabalhista, efetivada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Assim, Getúlio Vargas construiu uma boa relação com os trabalhadores, desde que estes fossem disciplinados, e os sindicatos controlados pelo Estado.

Com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, o Brasil manteve-se neutro, mas dentro do governo de Getúlio Vargas havia uma ala simpática à Alemanha nazista, muito por conta dos laços ideológicos e comerciais que envolviam os dois países na época, e também pelo fato de que o Brasil abrigava uma grande comunidade germânica, principalmente, na região Sul. Entretanto, o posicionamento do governo mudou com a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, em 1941, e com o afundamento de navios brasileiros por submarinos alemães. Em agosto de 1942, o Brasil declarou guerra aos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), e um ano depois criou a Força Expedicionária Brasileira (FEB), uma força militar composta por, aproximadamente, 25 mil homens, que foram enviados para combater no norte da Itália.

Com a proximidade do fim da Segunda Guerra Mundial e a iminente vitória dos Aliados, já no ano de 1945, o Brasil se viu diante de uma contradição, uma vez que o Estado Novo imposto por Getúlio Vargas havia o transformado em um ditador e principal líder de um forte regime repressivo e autoritário, legalmente amparado por uma Constituição fascista, outorgada em 1937. Neste sentido, o Estado Novo compartilhava de características muito peculiares com o nazifascismo que estava lutando contra na Europa.

Em frente a esta contradição, o historiador brasilianista, Thomas Skidmore, afirma que Getúlio Vargas buscou construir um caminho para tentar se manter no poder. Em fevereiro de 1945, decretou o Ato Adicional, que estipulava o prazo de noventa dias para: (1) a eleição de uma Assembleia Constituinte para promulgar uma nova Constituição Federal; (2) a realização de eleições para a Presidência da República; (3) a realização de eleições para os governos estaduais e suas respectivas casas legislativas. Também, em abril do mesmo ano, Getúlio Vargas decretou a anistia política, que libertou mais de quinhentos presos políticos, entre eles, Luís Carlos Prestes, principal líder comunista na época. Os partidos políticos também voltaram para a legalidade, os quais rapidamente se organizaram, agora na esfera nacional. A eleição presidencial foi marcada para o dia 02 de dezembro de 1945 e, embora Getúlio Vargas tivesse declarado a intenção de não disputar o pleito, a tensão política cresceu sobre seu governo, e no dia 29 de outubro de 1945, um golpe militar destituiu Getúlio Vargas do poder, colocando fim ao regime ditatorial do Estado Novo.

De fato, durante o Estado Novo (1937 – 1945) houve avanços nos direitos trabalhistas e um progresso econômico amparado pela industrialização no Brasil. Mas por outro lado, o Estado Novo também deixou um legado de repressão e autoritarismo, de coação as liberdades individuais e aos direitos básicos do cidadão, bem como, o descrédito na política, na democracia e nas instituições da República como instrumentos de governo, de resolução de problemas e desenvolvimento do país.

André Luís A. Silva

Historiador, Professor e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná