OPINIÃO

O fim da escola pública: governo Ratinho Jr. destitui diretores eleitos pela comunidade escolar

15/02/2023 – 09:31:26

Luiz Felipe

Na última semana, o governador Ratinho Jr. deu mais um passo em direção à destruição do sistema de ensino público do Paraná: sua Secretaria de Estado da Educação, por meio dos Núcleos Regionais, comunicou aos diretores eleitos dos colégios estaduais que eles estavam sendo afastados definitivamente dos cargos para os quais foram escolhidos pela comunidade escolar, não indicados por políticos em troca de favores eleitorais.

Ao menos 20 diretores eleitos foram destituídos, em Guarapuava o preterido foi o Colégio Visconde de Guarapuava, que era dirigido pelo professor João Gabriel de Lima, que já esteve à frente de outro colégio da cidade. Segundo o Diário Oficial do Estado, o professor foi destituído no dia 08/02, mas de acordo com fontes tanto da SEED quanto do NRE, o então diretor só foi comunicado na tarde do dia 09/02, quinta-feira, quando a equipe de direção apenas tomou ciência de que estavam sendo retirados, sem explicações do porquê de tal ação.

Na sexta-feira pela manhã, já sabendo do fato ocorrido, os estudantes do Colégio Visconde de Guarapuava se revoltaram com a decisão do governo do Estado e fizeram uma manifestação no colégio, exigindo o direito de escolher seu diretor, isto porque com o afastamento definitivo do professor João Gabriel, o Estado deverá indicar um novo diretor, que por enquanto está sob responsabilidade do secretário do colégio, uma vez que toda a diretoria foi dissolvida. Segundo informações, será feito um credenciamento entre os interessados a assumirem as vagas de diretor e diretor auxiliar (antigamente chamados de vice-diretores) e a partir desse credenciamento a SEED escolherá o substituto e assim o indicará, desrespeitando por completo o processo eleitoral da comunidade escolar, que possui autonomia e o direito de escolher quem irá administrar e dirigir o colégio que lhe pertence, não enquanto bem, mas como patrimônio da educação pública.

O centro dessa manobra autoritária e de caráter ditatorial aplicada pela SEED de Ratinho Jr. não começou hoje, mas sim quando Renato Feder assumiu a secretaria. Cansei de ouvir de vários professores: “nem com Beto Richa era tão ruim assim” e olha que o ex-governador tucano travou algumas guerras contra o funcionalismo público do Paraná, em especial contra os professores, sendo o responsável por um massacre em praça pública, no dia 29 de abril de 2015, quando a PMPR, a mando de Richa e do então secretário de segurança pública, Fernando Francischini, atacou centenas de professores e estudantes que estavam no Centro Cívico, em frente ao Palácio Iguaçu e do prédio da ALEP. Naquela tarde, para repelir os manifestantes que ali estavam, inclusive eu, a PMPR começou a dispersar os manifestantes que estavam parados aguardando o início de uma votação dentro da ALEP, que estava marcada para 14h. Ao iniciar a sessão, a PMPR usou a tropa de choque, canhões de água, bombas de efeito moral e toda força bruta possível para agredir os professores e estudantes como se fossem bandidos perigosos.

Desde aquele momento a educação paranaense vem sendo atacada aos chutes, pontapés, bombas e desaforos com os professores e estudantes. Renato Feder, enquanto secretário, criou padrões de desempenho e estipulou metas para as escolas baterem sob ameaça de destituição de diretores, como ocorreu agora. Uma das manobras totalmente ridículas por parte do governo e da SEED é o sistema BI, que é o responsável pelo controle interno da frequência dos estudantes. A nível de curiosidade, a legislação maior da educação brasileira, a LDB (Lei 9394/1996) exige o mínimo de 75% das horas totais de presença para a aprovação. Ou seja, com número inferior, o aluno é reprovado. Todavia, para a SEED, de maneira totalmente irregular, o mínimo de 75% não basta e esse número foi elevado para 85%. De acordo com fontes, no caso do Colégio Visconde de Guarapuava, esse número chegou em 84,6% em abril passado, enquanto que em março o índice era de 90% de frequência.

Vale refrescar a memória de quem nos lê neste momento, de que em abril de 2022 nós vivemos um verdadeiro cenário de guerra em Guarapuava quando a empresa de valores PROTEGE, antiga Proforte, foi atacada. Além disso, antes do ataque, também estávamos em uma semana com feriado prolongado, que começava na quinta e terminava na segunda-feira. O assalto foi no domingo, entretanto, muitos estudantes já estavam em viagem com suas famílias na quarta ou quinta-feira e não compareceram às aulas. Além disso, a segunda-feira pela manhã, que sucedeu o ataque no domingo, estava completamente bagunçada na cidade, com forte presença das forças de segurança e com orientação, inclusive, de que as pessoas não saíssem às ruas. Muitas atividades escolares foram suspensas, inclusive do ensino superior. Além desses fatores, o tal BI também não leva em conta os atestados médicos, que podem ser apresentados pelos estudantes para a justificativa e bonificação das faltas, o que é uma garantia legal que todo estudante tem.

Entre todos esses fatores, há também um outro potencializador que o governo do Estado parece ignorar totalmente, que é a pandemia de Sars-Cov-2 (Covid-19). A retomada das atividades escolares demorou a engrenar para valer, pois nossas escolas e nenhum outro espaço do planeta estava preparado para receber tantas pessoas em um espaço confinado após um surto pandêmico que matou mais de seis milhões de pessoas. O confinamento também ocasionou um estresse sem precedentes tanto em estudantes quanto professores, sendo que estes eram submetidos a um sistema totalmente ineficaz e que mostra, cada vez mais, que não importa o quão tecnológico um sistema de ensino seja, nada substitui o professor em sala de aula.

E por falar em tecnologia, ela deve sim estar alinhada com a educação, é impossível excluir a tecnologia do processo de ensino básico; todavia, é necessário também uma estrutura adequada para que aquilo que se propõe. De nada adianta mandar alunos para o outro lado do mundo e não dar o mínimo de condições de trabalho para os professores em uma escola do interior, por exemplo.

As Faces da Intervenção

Ainda enquanto acadêmico de História desenvolvi uma pesquisa cujo título era “As Faces da Intervenção na Era Vargas” tinham como pano de fundo o período do Estado Novo, de Getúlio Vargas, em que o presidente nomeava interventores para os estados e delegava a estes que nomeassem os interventores nos colégios, era o auge da censura do Estado Novo. O colégio escolhido para essa análise: o Colégio Visconde de Guarapuava, uma instituição com uma longa história em nossa cidade.

A prática da intervenção possui, como apontei à época na pesquisa, um caráter essencial de fazer com que o Estado esteja presente em todos os espaços e quando falo em presença, não me refiro a cumprir com o seu papel constitucional, mas sim com seu papel de vigilância, de controle. Vargas, na figura de ditador, nomeou interventores e estes nomearam censores/interventores para acompanhar o processo educacional em todo o país.

A pergunta que mais me incomodava (e o que me incentivou a desenvolver a pesquisa) foi: por que um colégio recém fundado (1912) era tão importante para o presidente da República naquele momento? A quem interessava a intervenção? No desenrolar da pesquisa, felizmente, consegui responder à pergunta. Não interessava diretamente ao presidente da República, mas ao governo local e as alianças entre Estado e Município, fazendo com que alianças fossem realizadas ou desmanchadas.

Estamos diante do mesmo cenário neste caso: o controle rígido por regiões por meio dos Núcleos Regionais de Educação são a verdadeira face dessa intervenção. A SEED precisa descentralizar o seu papel de vilã e tanto a existência quanto a ação incisiva dos Núcleos em cidades importantes como Guarapuava precisam parecer rígidas, controladoras. Some-se a isso o fato de que as nomeações para chefias de Núcleo são por indicações de políticos que dominam o eleitorado da área. A recente troca de chefia do NRE Guarapuava deve-se a isso, dois parlamentares aliados ao governo e que tinham diversas indicações de cargos em troca de uma base fiel de eleitores que garante eleição após eleição. Quando uma dessas parlamentares rompe com o governo do Estado, sua indicação não existe mais e chega a primeira interferência: trocar a chefia do NRE. Ao trocar esta chefia, o Governador também dá o recado para as escolas e diz como a banda vai tocar. Quem não quiser dançar a música de Ratinho Jr. está fora do baile.


por:

Luiz Felipe de Lima

• Historiador •

Formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro;

Professor de História e Sociologia;

Pesquisador.

Ver mais colunas

LEIA TAMBÉM

Consulta pública de Camilo Santana é arapuca para pegar trouxa!

13/03/2023 – 08:24:34 Luiz Felipe Em ritmo bem perdido e totalmente fora do que pedem milhões de professores por todo o...

#VaiprobarLuiz: Sociologia de boteco: morre um bar, nasce uma conveniência

06/03/2023 – 07:42:52 Luiz Felipe Durante uma corrida pela cidade comento com o motorista do app que está me levando ao...

Afinal, imposto é roubo?

28/02/2023 – 08:12:27 André Luís A. Silva É muito comum e, provavelmente, você já deve ter ouvido falar que no Brasil...

O fim da escola pública: governo Ratinho Jr. destitui diretores eleitos pela comunidade escolar

15/02/2023 – 09:31:26 Luiz Felipe Na última semana, o governador Ratinho Jr. deu mais um passo em direção à...