Foto: Ricardo Stuckert
05/01/2023 – 07:25:42
André Luís A. Silva
Bota o retrato do velho outra vez
Bota no mesmo lugar
Bota o retrato do velho outra vez
Bota no mesmo lugar
O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar
O sorriso do velhinho faz a gente trabalhar
Eu já botei o meu
E tu, não vais botar?
Já enfeitei o meu
E tu, vais enfeitar?
O sorriso do velhinho faz a gente se animar
O sorriso do velhinho faz a gente se animar
O nome do jingle acima se chama Retrato do Velho, ele foi amplamente divulgado durante a campanha de Getúlio Vargas nas eleições presidenciais de outubro de 1950. O sucesso do jingle foi refletido nas urnas, pois Getúlio saiu vencedor daquele pleito com mais de 48% dos votos válidos. O jingle é uma alusão aos tempos da primeira passagem de Getúlio pela presidência, no qual as repartições públicas eram obrigadas por decreto a possuírem um retrato de Getúlio, fato que muitos simpatizantes do presidente, por espontânea vontade, também faziam em suas residências.
Na ocasião, boatos dizem que o presidenciável não gostou nada de ser chamado de velho, embora, na época, já tivesse 68 anos de idade completos. Por outro lado, Getúlio sentia-se muito confortável por ser lembrado como o pai dos pobres, devido às suas políticas sociais terem sido direcionadas para a grande massa de desfavorecidos entre 1930 e 1945, em um governo que passou por três grandes fases: Governo Provisório (1930 – 1934), Governo Constitucional (1934 – 1937), e Estado Novo (1937 – 1945). O historiador brasileiro, Boris Fausto, destaca que cada uma destas fases possui características próprias, mas, em linhas gerais, a era Vargas foi marcada pela implementação de um plano nacional de desenvolvimento econômico, centralização de poder e uma política trabalhista e social fortes.
Em 1945, após a Segunda Guerra Mundial, Getúlio é deposto da presidência, mas no ano seguinte é eleito senador constituinte pelo Estado do Rio Grande do Sul, com mais de 1,3 milhões de votos. Além disso, entre 1945 e 1950, Getúlio também ajudou a fundar o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), uma legenda focada no trabalhismo, pela qual concorreu as eleições presidenciais de 1950.
De acordo com o historiador Marcos Napolitano, Getúlio Vargas foi eleito para sua segunda passagem na república muito por conta de seu legado político, ou seja, por sua herança positiva, principalmente, no que diz respeito às políticas sociais direcionadas aos trabalhadores e as classes mais pobres, que sonhavam novamente com uma guinada econômica. E, de fato, em seu segundo governo, Getúlio Vargas buscou seguir o plano desenvolvimentista que havia colocado em prática no início da década de 1930 e a consequência deste programa político foi a criação do CNPq (1951), CAPES (1951), BNDE (1952), Banco do Nordeste (1952), Petrobrás (1953), e o encaminhamento de outras empresas e órgãos públicos que serviriam como balizas para o desenvolvimento social e econômico do Brasil. Todavia, a sua segunda passagem pela república foi marcada por uma crise política e econômica, somado a tensões sociais. Em razão da grande pressão sobre seu governo, Getúlio Vargas cometeu suicídio em agosto de 1954, deixando em aberto seu mandato que acabaria somente em 1955.
Até então, só Getúlio Vargas havia conquistado a façanha de conseguir retornar a presidência da república, feito este, agora também alcançado por Lula, que já governou o Brasil entre os anos de 2003 e 2010, e retorna para mais um mandato presidencial. De fato, cada novo presidente que sobe a rampa do Planalto chega com muita expectativa, entusiasmo e esperança. Os diversos setores que compõe a nossa sociedade depositam, em maior ou menor grau, estes sentimentos no presidente eleito, que assume o governo com muita força popular. Tem sido assim com todos, desde a redemocratização do país, em 1985. Entretanto, com Lula, desta vez parece que estes sentimentos estão um tanto abatidos, talvez por conta da desconfiança de seu retorno à presidência. Não se trata de ser pessimista, mas a questão é que Lula chegará ao Planalto em meio a um país dividido, e com uma imensa responsabilidade nas mãos, fato que transformará seu mandato dificílimo. Nos próximos anos, Lula vai precisar desempenhar um papel que poucos políticos estão gabaritados a executar, isto é, promover a união nacional, pacificar o país e controlar sua oposição mais radical.
Para Lula, o segundo governo de Getúlio Vargas é um fantasma. Eleito em 1950, pelo mesmo eleitor que havia vivido um salto de desenvolvimento social e econômico nas décadas de 1930 e 1940, e que agora esperava por isso novamente, acabou tendo uma enorme frustração. Embora o presidente fosse o mesmo, as conjunturas internas e externas eram muito diferentes. A inflação acelerava e dificultava a reposição das perdas salariais. A oposição era muito barulhenta e a grande mídia fazia mais política do que jornalismo. Aos poucos, Getúlio perdeu o apoio da população e no Congresso.
É verdade que é impossível comparar líderes políticos em cenários diferentes e em épocas distantes uma da outra. Mas, talvez, o segundo governo de Getúlio Vargas possa nos mostrar algumas lições importantes e que Lula deveria ficar atento. Pelo ponto de vista político, a missão que o povo brasileiro está outorgando a Lula é a de união nacional. Isto é, governar para todos, fazer um governo que agrade a maioria dos brasileiros e que represente os diferentes setores da sociedade. Um governo com estas características vai exigir muito diálogo e jogo de cintura. Lula não pode esquecer que foi eleito como um governo de frente ampla, e que seu papel não é ser um presidente petista, mas ser um presidente para todos os brasileiros e brasileiras. Nessa empreitada, a escolha de Geraldo Alckmin como vice é um bom nome para dialogar com setores, no qual, Lula enfrenta desconfiança, resistência ou possui pouca proximidade, como por exemplo, o mercado financeiro, grupos mais conservadores e algumas alas do Congresso, do empresariado e do agronegócio.
Ainda assim, também é preciso lembrar que a união nacional não é uma tarefa exclusivamente do governo Lula, mas de todos os brasileiros e brasileiras. Logo, isso passa pelo fortalecimento da nossa jovem democracia, implica em um esforço de cada um de nós para não esquecermos que a democracia não é para concordarmos em tudo, mas para gerenciarmos as discordâncias existentes. Infelizmente, nos últimos anos, transformamos as diferenças políticas em animosidades, depois em raiva, depois em ódio e violência.
O segundo ponto é um viés econômico. Lula precisa entender que o crescimento do PIB durante sua primeira passagem na presidência (2003 – 2010), esteve muito atrelado ao pujante crescimento da China, que ajudou muito o Brasil, principalmente, devido às negociações que envolveram nossas commodities, em especial, soja, petróleo, minério de ferro, carne e celulose. Com efeito, o governo Lula teve muita virtude no que diz respeito à sua política econômica, porém, a questão aqui não é discutir o mérito, mas alertar que hoje o cenário internacional é totalmente diferente, pois ainda vivemos as consequências da pandemia de Covid-19, e a China, nosso principal parceiro comercial, cresce metade do que crescia no começo do século, inclusive, tem patinado para retomar seu crescimento. Por outro lado, os Estados Unidos, a maior economia mundial, vem mostrando desaceleração no seu crescimento, fato que pode prejudicar nossa economia, assim como o conflito no leste europeu entre Rússia e Ucrânia. Além disso, a revolução digital da última década mudou a forma de fazer negócio, fez desaparecer algumas profissões, subtraiu renda, flexibilizou as regras trabalhistas, trouxe desemprego e informalidade.
No cenário interno, os últimos anos foram marcados pela alta abrupta da taxa básica de juros (SELIC), atualmente em 13,75% a.a., e pela inflação (IPC-A) que em 2021 ultrapassou os 10%, e em 2022, a estimativa é próxima dos 6%. De fato, a inflação é um monstro, não é à toa que nos manuais de economia ela é representada por um dragão furioso que por onde passa destrói tudo, gera fome e pobreza. Além disso, a inflação é uma grande arma de concentração de renda. Ou seja, na média, pobres ficam mais pobres e ricos ficam mais ricos. Portanto, Lula precisa estabelecer medidas de caráter urgente para controlar a inflação, reduzir a taxa de juros, estabilizar a moeda e devolver nosso poder de compra. Isso acalma a população. Mas o que também acalma a população é o combate à fome e à insegurança alimentar, inclusive, essa questão tem sido elencada por Lula como um pilar do programa de seu governo. Para isso, é mais do que necessário aprovar o projeto de Renda Básica de Cidadania, de autoria do deputado Eduardo Suplicy, aprovado no Congresso em 2014 e vetado integralmente pela presidente Dilma Rousseff na época.
A política em uma democracia é um dinâmico jogo de forças e Lula precisará recuar muitas vezes, é importante não criar hostilidades com o novo Congresso, não acirrar os ânimos da população, colocar panos quentes, dialogar para juntar grupos que pensam diferentes, visto que Lula precisará fazer concessões com o Congresso para aprovar seus projetos. O governo de Lula precisa dar certo, caso contrário, vai inflamar ainda mais a população, o ânimo pode virar e estamos em um momento histórico muito perigoso e delicado para essa virada. Caso o governo dê certo, o Brasil navegará firmemente pelo caminho democrático e, possivelmente, o sucessor de Lula em 2026, também. Caso dê certo, Lula completará sua segunda passagem pela república, fato que Getúlio Vargas não conseguiu. Que venham tempos de paz para todos nós.