OPINIÃO

O que a História diz sobre o Natal e o nascimento de Jesus?

Foto: F5 Notícias

24/12/2022 – 12:44:26

Luiz Felipe

Considerado tema delicado entre cristãos e historiadores, a data de nascimento de Jesus já foi alvo de debate dentro da própria Igreja Católica. Mas afinal, em que dia nasceu Jesus?

Este é um artigo que dificilmente reunirá a família em volta da mesa na noite do dia 24, enquanto todos aguardam pela chegada do bom velhinho e comemoram, no caso dos cristãos, o nascimento de Cristo. Inúmeras vezes na história a temática foi levantada, discutida, aquietada por um tempo e depois ressuscitada por um pesquisador aqui, um historiador ali e um curioso lá. E a pergunta é sempre a mesma: quando foi que Jesus nasceu? Pois bem, essa é uma pergunta que, a partir de estudos de outros historiadores, vamos tentar chegar em uma resposta. Mas vamos lá. Para entender essa história é preciso voltar no tempo e entender o contexto da época. Começamos pelo próprio fato do nascimento de Cristo, mas por enquanto não vamos abordar a data exata, apenas o ano.

Segundo apontado pelo portal Ensinar História, da historiadora Joelza Ester Domingues, o cenário de nascimento e infância de Cristo coincide com o reinado do primeiro Imperador de Roma, Caio Otávio César Augusto (César Augusto) que governou Roma de 27 a.C. a 14 d.C. Essa é uma das primeiras pistas contidas no Evangelho de Lucas: “Naqueles dias, César Augusto publicou um decreto ordenando o recenseamento de todo o império romano. Esse foi o primeiro recenseamento feito quando Quirino era governador da Síria” (Lucas, 2:1-2), aponta a historiadora.

Outro fato também revelado por Domingues é que o governador Quirino, citado no evangelho de Lucas, era o homem forte de Roma e que tinha autonomia sobre a Judeia (atual Estado de Israel). Essa é outra informação incontestável do ponto de vista histórico, pois por volta do ano 6 d.C., a Judeia foi submetida ao controle romano. Outra personagem importante nesta narrativa é a do rei Herodes, o Grande; que governou a Judeia, Samaria e a Galileia do ano 40 a.C. até sua morte, que ocorreu em 4 d.C., datado por volta de 12 ou 13 de março.

O problema com a narrativa de Herodes, o Grande, está diretamente nos evangelhos de Lucas e Mateus, uma vez que o primeiro diz que Herodes e Quirino eram contemporâneos, o que não se confirma, pois segundo historiadores, há pelo menos 10 anos de diferença entre eles. Já no caso do evangelho de Mateus, o texto permite entender que Jesus, Maria e José ficaram no Egito até a morte de Herodes, outra informação incorreta, já que Herodes morreu antes de Jesus nascer, o que ocorreu por volta do ano 4 a.C., enquanto que o nascimento de Jesus – com a correção do calendário, foi entre 4 e 6 a.C.

Para que não haja confusão, aqui cabe uma breve explicação. O calendário ocidental utilizado hoje é o gregoriano, que foi instaurado por volta do século XVI, pelo papa Gregório XIII. Nas correções feitas para determinar certas datas, o ano de nascimento de Cristo teria ocorrido entre quatro e seis anos após a data indicada por quem organizou o calendário. Ou seja, de acordo com o marco de divisão do tempo – antes e depois de Cristo, após o marco zero, Jesus nasceu entre 4 e 6 após a data estipulada. É complicado né? Mas aos poucos fica fácil de entender.

O suposto recenseamento

Outra inconsistência apresentada pelos evangelhos e contestada pelos historiadores, especialmente pelo historiador inglês Robin Fox, é com relação a existência do suposto recenseamento ordenado por César Augusto. Segundo Fox, há apenas três grandes recenseamentos ordenados por Augusto e comprovados por documentação, sendo em 28 a.C., 8 a.C. e 14 d.C. e mais, nenhum deles decretado para todo o império romano. Outro fator levantado pelo historiador, é que os recenseamentos eram exclusivos para cidadãos romanos e José, por exemplo, não seria submetido ao censo por ser judeu.

Já de acordo com o historiador judeu-italiano Flávio Josefo, a confusão pode estar entorno do recenseamento ordenado por Quirino quando a Judeia deixa de pertencer à família Herodes e passa para o controle do governo romano. Esse recenseamento foi o primeiro de Quirino conforme aponta o evangelho de Lucas e teria ocorrido por volta do ano 6 d.C. que a partir da correção de calendário, é a data próxima do nascimento de Cristo. Todavia, essa informação não se sustenta, pois quando ocorreu Herodes já havia morrido há pelo menos 10 anos e, portanto, não havia sentido na viagem da família Sagrada de Nazaré para Belém. Entretanto, segundo as escrituras, a viagem ocorreu mesmo assim, viagem que totalizava 150 km, que nos dias de hoje, de carro – por exemplo – pode ser feita em 1h30 e a pé (sem paradas) por volta de 1 (um) dia de caminhada.

Trajeto feito por Maria e José, de Nazaré (Galileia) para Belém (Judeia) Google Maps.

Segundo os relatos bíblicos, o trajeto todo levou em média quatro dias contando com parada para alimentação e descanso. É óbvio que devemos considerar o fato de que a única estrada existente à época era uma via romana, com paradas obrigatórias e sem asfalto. Boa parte do trajeto feito por Maria e José foi acompanhando o traçado do Rio Jordão, enfrentando o clima desértico da Judeia. Maria estava no último mês de gestação, o que complicava ainda mais a viagem e o nascimento de Jesus, em instalações simples, se deu mais por ocasião de estalagens cheias e negativas de moradores locais em hospedar forasteiros do que por qualquer outra coisa.

Concílio de Niceia

Lá pelo ano 325 d.C. as coisas andavam um tanto quanto agitadas em Roma; três séculos antes, um jovem judeu chamado Jesus de Nazaré, surgiu pregando o amor e um único deus. Tempos depois de sua crucificação, os cristãos se revoltaram contra as perseguições que sofriam por parte dos pagãos e começaram uma guerra santa dentro do Império Romano. Temendo pela dissolução do Império, Constantino I – que era pagão – se converteu ao cristianismo e também criou a liberdade de fé ou culto dentro do Império, de modo que nenhum cristão poderia mais ser perseguido.

Neste mesmo ano, Constantino I realizou um grande concílio ecumênico, que ficou conhecido como Concílio de Niceia. Considerado um dos mais polêmicos realizados na história do cristianismo, o Concílio debateu pontos importantes como a data da Páscoa e até mesmo a divindade de Cristo. Até aquele momento, muitos tinham Jesus Cristo como um profeta, portador dos dons da cura, dos milagres como a ressurreição, multiplicação de pães, entre outros, mas ainda assim como um mero mortal e não como filho de Deus.

A Saturnália

Um acordo entre a Igreja Católica e o Império também definiu a data de nascimento de Jesus Cristo. É, por certo, que o dia 25 de dezembro foi escolhido e definido pelo Papa Júlio I, por volta do ano 330 d.C.

A escolha da data, segundo historiadores, está ligada com uma festividade romana que ocorria na semana que antecedia o solstício de inverno (22 de dezembro) no Hemisfério Norte. A festividade era em homenagem ao deus Saturno (daí o nome Saturnália) e tinha hábitos muito “parecidos” com os que temos no Natal do Ocidente, como o de trocar presentes como velas, chinelos de lã. Outro fator interessante é que as regras da sociedade eram suspensas temporariamente e homens vestiam-se de mulher e vice-versa.

A homenagem a Saturno tinha um porquê de existir; na mitologia romana ele era o deus do tempo, da agricultura e das coisas sobrenaturais. Como o período (dezembro) era o momento em que os dias ficavam mais curtos e a produtividade caía por conta das baixas temperaturas e a terra ficava improdutiva, a festividade era uma forma de agradar a Saturno para que próximo ciclo fosse fértil e abundante.

Pelo menos duas ou três décadas depois da crucificação de Jesus, os cristãos começaram a chegar em Roma e logo foram incorporados de modo clandestino, pois no começo ainda eram muito perseguidos no Império. É bem provável que, segundo a historiadora australiana Marguerite Johnson, os cristãos começaram a celebrar o nascimento de Cristo de forma clandestina e aos poucos aproximaram a data cristã da data pagã, como forma de se misturar ao povo romano sem chamar a atenção. Dessa forma, seriam adeptos da cultura romana comemorando o deus Saturno e não Jesus Cristo, uma forma perfeita de manter a tradição cristã e passar longe dos problemas com os romanos.

Qual o verdadeiro dia de nascimento de Jesus?

Segundo cálculos de astrônomos considerando as escrituras sagradas e os registros disponíveis, é provável que os que chegaram mais perto da data exata foram os cristãos ortodoxos, que celebram o nascimento de Cristo em 7 de janeiro e não em 25 de dezembro. Diferente dos cristãos ocidentais/romanos que seguem o calendário Gregoriano, os ortodoxos seguem o calendário implantado por Júlio César, em 46 a.C.

Há uma diferença de 13 dias entre os calendários. O modelo gregoriano, o que seguimos no Ocidente, nos diz que no domingo será dia 25 de dezembro de 2022, enquanto que no calendário juliano é dia 12 de dezembro de 2022.

Portanto, a data de 25 de dezembro não é a data exata do nascimento de Cristo, acabou sendo uma data fixada pela própria Igreja Católica por puro interesse para não dividir o império entre os romanos e os cristãos que estavam aumentando em número cada vez mais. Hoje, estima-se que pouco mais de 1/4 (um quarto) da população mundial, algo equivalente a pouco mais de 2,18 bilhões de pessoas, se consideram cristãs, sendo que desses quase 1,4 milhões se identificam como católicos romanos e ortodoxos.

Feliz Natal!


por:

Luiz Felipe de Lima

• Historiador •

Formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro;

Professor de História e Sociologia;

Pesquisador.

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