OPINIÃO

Por que nos apaixonamos e por que ficamos tão abobados?

Foto: Pixabay

29/11/2021 – 09:56:04

Luiz Felipe

Uma resposta simples e direta: ninguém sabe porquê nos apaixonamos. A ciência nos dá várias explicações para o efeito “abobado”, mas nenhuma resposta concreta com relação ao motivo de nos apaixonarmos à primeira vista por alguém. Já dizia o grande romancista do século XIX, Victor Hugo, que “morrer de amor é viver dele”. Mas o que está por trás dessa cilada, Bino, que é a paixão?

Na década de 1970, dois psicólogos canadenses, Donald Dutton e Arthur Aron, desenvolveram um experimento chamado de “ponte do amor”. Basicamente, homens foram divididos em dois grupos e cada um deles atravessou duas pontes, uma baixa e sólida e a outra suspensa a 15 metros do chão. Os dois grupos que atravessam as pontes eram entrevistados por uma bela mulher. Eles tinham que olhar para uma imagem de uma mulher sorrindo, por exemplo, enquanto a entrevistadora fazia diversas perguntas. Ao fim da entrevista, a mulher forneceu um telefone e disse que os entrevistados poderiam ligar se tivessem dúvidas. De acordo com os pesquisadores, ao fim do estudo, a maioria dos que ligaram para a mulher, tinham atravessado a ponte suspensa – mais do que o dobro daqueles que atravessaram a ponte baixa e sólida. As perguntas daqueles que ligaram tinham um conteúdo mais romântico e sexual. O experimento foi repetido, mas o entrevistador agora era um homem e quase ninguém ligou. E o que isso quer dizer?

Pois bem, para os especialistas, à época, tudo não passara de uma confusão de sentimentos. O coração disparado, a respiração ofegante, as mãos trêmulas ou suadas, fizeram com que o possível medo de cair da ponte, combinados com uma mulher de aparência atraente, fosse confundido com o sentimento de atração ou da paixão. Ao longo dos anos, diversos estudos nos mostraram que a confusão dos nossos sentimentos é algo muito comum, confundimos não apenas medo, atração e amor, mas também sentimentos do dia a dia como nojo, euforia, humor, medo, incômodo e erotismo.

À primeira vista, pode parecer que estar apaixonado e estar com medo são sentimentos antagônicos, mas na realidade, ambos provocam sintomas bem parecidos no nosso corpo, como as mãos trêmulas ou suadas, o desconforto no peito, a respiração acelerada e o famoso frio na barriga ou as chamadas “borboletas no estômago”. E é aí que vem a cilada, Bino; tanto o medo quanto a paixão ativam o chamado sistema nervoso simpático, que nada mais é do que um sistema de excitação, que ajusta o nosso organismo para situações de excitação, perigo, esforço intenso, estresse físico e psíquico. Em outras palavras, esse sistema nos diz se devemos encarar a peleia ou fugir. Por isso é certo dizer que não nos apaixonamos pela pessoa errada, isso não existe; o que acaba acontecendo é que quando a magia perde o efeito, isto é, a euforia começa a se dissipar dos nossos sentimentos, a paixão transforma-se em amor ou indiferença e a culpa não é nossa, mas do nosso cérebro, que nos diz se vai ser uma boa ideia continuar ou se distanciar.

Embora não seja meu gênero musical favorito, a música “É o Amor”, da dupla Zezé Di Camargo e Luciano, transmite bem a ideia do amor no cérebro humano: “É o amor que mexe com a minha cabeça e me deixa assim”. E vai além, o drama imposto como “eu não vou negar que sou louco por você…” ou “você traz felicidade, eu não vou negar”, são indicativos perfeitos de como é a reação química no nosso cérebro quando se trata da paixão ou do amor.

De acordo com a neurociência moderna, o amor é um tipo de droga (ora, ora, temos um xeroque holmes aqui – só quem é jovem vai entender essa) que pode nos viciar rapidamente. Isto é, começa no cérebro, justamente no centro do vício, onde libera dopamina. A dopamina, para os que não estão familiarizados, é um neurotransmissor que, quando liberado, causa sensação de prazer extremo e aumenta a motivação e, quando em falta, está associada a doenças graves como a depressão e Parkinson.

E o cérebro humano é tão sacana, que nos deixa claro, assim como 1+1 é igual a 2, que o amor é realmente cego. A amígdala (a do cérebro, não da garganta) passa a funcionar de maneira diferente quando estamos apaixonados por alguém. Ela [amígdala] está localizada no nosso lobo temporal e é responsável por comandar as nossas decisões e o BOM SENSO (hahaha). É por isso que quando estamos apaixonados ou gostando de alguém, nos tornamos completas portas de tão tapados, o efeito colateral da droga amor é o conforto, a cabeça lá no alto, a ausência de razão e bom senso; é o nosso controle cognitivo indo pelo ralo.

Nesse embalo de conhecer melhor nosso cérebro, temos a ocitocina (oxitocina), que é chamado de hormônio do amor, aquele mesmo que está presente em abundância em alguns organismos femininos no momento do parto ou amamentação, é um hormônio responsável pelo sentimento de afeto e também atua no campo da paixão domada, isto é, o amor. Mas a ocitocina, segundo a ciência, está longe de ser a essência para amar ou ser amado. Ela foi testada em diversas ratazanas que tinham como principal característica a monogamia. Quando bloqueada nas ratazanas, fez com que seu apetite por aventuras sexuais diminuíssem drasticamente, enquanto que nos humanos o efeito foi bem menos dramático: preferimos manter o que nos é familiar, conhecido, em vez de buscar por novidades.

Mas aí você pode estar se perguntando: existe essa coisa de ‘pessoa certa’ ou ‘como sabemos se tal pessoa é certa?’ Não há como saber. A ciência nos diz que o cérebro não é capaz de decodificar quem é a pessoa certa ou errada nesses momentos, o que se sobrepõe são os efeitos causados no cérebro pela ocitocina, dopamina e outros neurotransmissores que nos causam sensação de conforto e de ser amado ou de amar algo ou alguém. É o mesmo princípio com o amor materno ou o êxtase com o seu time de futebol marcando um gol, mas não há como identificar por que aquilo te faz bem e te faz pensar que ele ou ela é a pessoa certa para você passar o resto da vida ao lado. Em linhas gerais, não podemos ser guiados pela mesma ou por uma única característica, cada cérebro se comporta de uma maneira diferente. Em um cérebro apaixonado, é possível ver – em uma tomografia – que cada área específica associada com o prazer, a euforia e outros sentimentos, irá se “acender” como luzes em uma árvore de Natal.

Mesmo que, mundialmente, pessoas altas sejam mais atraentes de acordo com as estatísticas, se pudéssemos escolher nossos parceiros/as pela altura ou por aqueles olhos azuis e aquele cabelo de fogo (hahaha), todos teriam um único padrão. As decisões sobre isso são complexas por demais e, portanto, nada mais do que justo que a base neural que as tornam possíveis sejam também. Em termos simples, nosso padrão é único, existem semelhanças, mas não há uma repetição justamente porque não existem dois cérebros iguais.

Por outro lado, se as nossas decisões mais importantes, baseadas na razão, também possuem um alto nível de complexidade, isto significa que o amor deveria ser encarado com a razão e não com a emoção? A resposta é não. A racionalidade está acima do instinto e ela é necessária para nos distanciar dos motivos que levam a uma decisão, para que a mesma seja tomada de forma coerente, precisa, analisada, para que outras pessoas possam aplicá-las, independente de nós. Mas diferente da razão, o amor não precisa ser de conhecimento de ninguém e, embora a razão esteja acima do instinto, não quer dizer que esse último seja inferior, está apenas em posição diferente. É muito mais fácil, para 90% da população mundial, reconhecer uma fisionomia do que descrevê-la. Por que seria diferente com o amor?

De outro lado, se o amor nos causa estranheza com nosso próprio organismo, com frio na barriga, batimentos acelerados, a rejeição pode causar sintomas próximos. O frio na barriga existe também, todavia, não é pela euforia, mas pela ansiedade, pela angústia, pela expectativa de ser aceito ou rejeitado e isso não é apenas com o amor, mas em qualquer campo: trabalho, sociedade, família etc. Uma pesquisa desenvolvida nos Estados Unidos mostrou que a dor da rejeição pode doer tanto quanto uma dor física e isso ocorre porque as áreas ativadas no cérebro, para dor física ou emocional, são as mesmas. O estilo de “lidar” com a rejeição é particular a cada um, mas a tendência do cérebro é a mesma com a dor física. Aquilo que nos ameaça fisicamente, tende a ser reprimido, isto é, nos defendemos. Com a rejeição amorosa, por exemplo, ocorre a mesma coisa. Nos distanciamos da pessoa, apagamos os vestígios que nos fazem lembrar de qualquer fato ou da própria pessoa em si e, em alguns lugares do mundo, já é possível “apagar” memórias com terapia de eletrochoque. Uma experiência perigosa, não recomendada e que, infelizmente, não tem efeito permanente. Quem nunca quis estar em “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, não é?

Em todo caso, o amor ou a rejeição, são mais do que uma mera reação química no cérebro, é uma condição – que os cientistas admitem – que supera as explicações que a ciência pode nos dar. E seja como for, para quem teve a sorte de experimentar o caos e o inferno na Terra que é estar apaixonado por alguém, se deixe levar, se jogue nesse mar. Mas, se tudo der errado e se sentir arrependido por agir com a emoção, espero que sirva de consolo saber que a razão não ia te levar mais longe do que a emoção. Amar alguém ainda é uma cilada, Bino; porém, ainda digo: vem de golpe que eu vou de vítima.


por:

Luiz Felipe de Lima

• Historiador •

Formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro;

Professor de História e Sociologia;

Pesquisador.

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