OPINIÃO

Pós-pandemia: há uma nova sociedade e ela é pior do que a anterior

Foto: Pixabay

16/12/2022 – 07:40:06

Luiz Felipe

Esse é o tipo de verdade que a sociedade não gosta de ouvir, pois sua hipocrisia não admite culpa social ou coletiva. Nesse meio, todo mundo é santo, anjinho e nunca pecador. Se não está preparado, não leia.

Não sei quanto a vocês, mas depois da pandemia de covid-19 sinto que o mundo ficou um pouco mais lento e menos sociável. A preguiça de coisas novas, de coisas de jovem ou de conhecer novas pessoas ou talvez o estresse semanal do trabalho, fazem com que eu não sinta vontade alguma de socializar, é algo que só ocorre vez ou outra e sempre com as mesmas pessoas e nos mesmos lugares.

No começo de toda a desgraça, quando a Covid-19 se resumia a números fatais em outros países e para nós, brasileiros, tudo se resumia nas notícias dos telejornais que revelavam caminhões na Itália carregando corpos e mais corpos, eu tive duas fases: a realista e a otimista. Lembro-me de comentar com amigos: “se na Itália, país desenvolvido, pessoas com renda consideravelmente alta, a covid-19 está sendo cruel, imagine no Brasil”. Depois, uma onda de otimismo me invadiu e por um breve momento pensei que sairíamos melhor desse inferno enquanto sociedade, mas não demorou muito para que essa fase de desmanchasse feito um castelo de cartas.

No auge dos 28 anos, muita coisa tem me deixado farto, ou como se diz no bom e claríssimo português, de saco cheio! Não sei se as pessoas passaram a me irritar com maior frequência ou estou ficando ranzinza antes do tempo. O lado bom de ser ranzinza é que o bom senso te acompanha e não sendo um lírio do campo, tenho a consciência de que se eu me irrito com as pessoas, eu também passo a irritá-las em determinado momento, principalmente quando me dou ao trabalho de escrever um texto reclamando de tudo como estou fazendo agora, faltando 25 minutos para a meia-noite e o início de uma nova semana carregada de trabalho.

Acho que todos estão esgotados com o estresse acumulado em quase dois anos de pandemia, com alguns meses de isolamento e distanciamento social, sem contar os milhares de mortos. Quem não perdeu alguém da família, acabou perdendo um amigo, um vizinho, um conhecido para a covid-19 e isso mexeu drasticamente com o nosso psicológico. O exercício de resiliência – embora não seja o meu preferido, pareceu – em algum momento – ter algum sentido com todas as bordoadas que a sociedade levou. Mas parece que no lugar do aprendizado com os problemas que a cultura oriental nos ensina, conseguimos sair mais retardados enquanto sociedade. Some ao evento pandêmico o inferno político vivido em ano de eleição e mais uma decepção com a seleção brasileira. Isso é preocupação à toa, de barriga cheia, como diz minha mãe.

Quer ver como a coisa fica pior? Imagine para quem tinha um pequeno comércio ou trabalhava nesse pequeno comércio e perdeu o emprego porque a pandemia provocou um caos econômico. Difícil né? Para quem está com as contas e o salário em dia, é difícil entender a dor, sofrimento e preocupações diárias de quem precisa de trabalho para ficar vivo. 

Eu moro a cinco minutos (a pé) do centro de Guarapuava. Todos os dias no meu trajeto para o trabalho, encontro o mesmo grupo de pessoas paradas no semáforo exibindo sua arte ou vendendo algo para juntar um trocadinho. Alguns já estão entregues à própria sorte, isto é, se é que podemos falar em sorte nessa ocasião. Mas seja como for, muitos ali já estão entregues, estão literalmente entorpecidos com a realidade por meio do álcool e outras drogas consumidas para amortecer o impacto e o sofrimento. É preciso lembrar que o número de suicídios durante e após a pandemia cresceram absurdamente, assim como a população que passou a viver na rua. E agora, José?

Outro dia comentava com uma amiga, a Mari, mulher absurdamente inteligente e conhecedora da política e chegávamos ao ponto em comum e dolorido de que muita coisa acaba passando por “aceitável” nesse país. Mas algo que jamais poderíamos aceitar enquanto sociedade, enquanto seres humanos, é alguém morrendo de fome. Nós temos um país riquíssimo, com a maior área cultivável do planeta, mas a ambição e a ganância de poucos fazem a desgraça de muitos. É inconcebível que em um país como o nosso, rico como o nosso, mais de 30 milhões de brasileiros não tenham comida para colocar no prato. A fome é algo que dói para quem assiste, mas machuca, dilacera e rasga a alma de quem a sente no fundo vazio do estômago.

Estamos saindo da pandemia de covid-19 piores do que entramos nela. Saímos mais egoístas, mais arrogantes e sem aprender absolutamente nada com o inferno que o mundo inteiro passou. No começo, a falsa sensação de aprendizado, de arrependimento, de falsas epifanias. E adiantou alguma coisa? Absolutamente nada. Convivemos com a morte diariamente, mas poucas delas significam algo para nós, exceto quando é alguém próximo. Em 10 dias perdi um amigo e um ex-aluno, o primeiro com 25 e o segundo com 21, ambos foram vítimas de acidentes de trânsito. Qual o sentido?

Por isso digo que é preguiçoso imaginar algo novo, coisas novas para um pós-pandemia, repensar a vida ou fazer planos. O maior legado, por enquanto, é estar vivo. Não há o que comemorar além disso, pois temos milhões que estão em uma cratera social, invisíveis a tal ponto, que alguns vão tirar a própria vida e só vão ser citados no obituário ou no máximo numa estatística do censo do IBGE. Morrem todos numa coluna de jornal. Estamos em uma nova era, mas que com certeza é pior do que a anterior. Leandro Karnal, no meio da pandemia, dizia que temia a pós-pandemia…mal sabia ele que seus temores estão realizando.


por:

Luiz Felipe de Lima

• Historiador •

Formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro;

Professor de História e Sociologia;

Pesquisador.

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