OPINIÃO

Qual o risco de uma terceira Guerra Mundial?

Foto: Daniel Leal/AFP

24/02/2022 – 18:01:06

Luiz Felipe

A invasão da Ucrânia por tropas russas na madrugada desta quinta-feira (noite de quarta no Brasil) e outros acontecimentos envolvendo potências globais renderam diversas teorias nas redes sociais, especialmente no Twitter, onde os assuntos mais comentados seguem as tags #terceiraguerra e #guerrafria. Mas qual a chance real de um conflito armado em escala global, repetindo os movimentos que desencadearam a Primeira Guerra (1914-1918) e a Segunda Guerra (1939-1945)? Não é impossível, mas é absurdamente improvável.

O primeiro passo é entender que são cenários e contextos diferentes daqueles existentes na Europa do século XX com os dois maiores conflitos da humanidade. Em segundo lugar, a política de alianças existentes hoje, principalmente com blocos importantes como o G7 ou o BRICS, fazem com que todos os países pensem seriamente antes de se envolver em um conflito. Em segundo, a OTAN não entrará em confronto armado direto com a Rússia, pois a organização é para defesa de seus membros e a Ucrânia ainda não é membro da OTAN, que é o principal motivo desta encrenca toda, diga-se de passagem. Outro detalhe importante também é o fator econômico, que é muito mais forte na atualidade se comparado com o século XX, além criação da Organização das Nações Unidas também ajudou a frear o impulso de guerra armada.

A invasão da Ucrânia fez acender uma luz vermelha nas potências do Ocidente, principalmente nos Estados Unidos e em sua organização militar, a OTAN. O que não ficou claro ainda neste enrosco que começou há poucas horas é até onde Vladimir Putin está disposto a ir; pois se para toda e qualquer ação de retaliação surgem as sanções econômicas, Putin disse que a Rússia está pronta para encarar as sanções e isso não vai afetar a nação, conforme pronunciamento emitido pelo Kremlin; o líder russo ainda subiu o tom e ameaçou qualquer um que possa intervir na ação com consequências nunca antes vistas na história.

Como resposta ao Kremlin, o presidente da França, Emmanuel Macron disse estar pronto para rebater na mesma proporção da invasão da Ucrânia, mas o que realmente coloca a União Europeia em uma posição delicada é o recado do chanceler alemão, Olaf Scholz, ao primeiro-ministro britânico, Boris Johnson. Scholz diz ser contrário à saída da Rússia do SWIFT, o sistema internacional de comunicação financeira, uma posição que a própria União Europeia não sustenta; pois embora a remoção possa causar medo no Kremlin na visão de alguns especialistas no assunto, o próprio Kremlin rebate que os principais prejudicados serão as potências europeias, uma vez que dependem do petróleo, gás e diversos metais; especialmente a Alemanha, que compra 53% de seu gás natural da Rússia. Com a remoção da Rússia do sistema, todos esses produtos deixariam de ser vendidos para os membros da União Europeia, é uma ameaça que não parece causar a menor preocupação em Putin.

E se de um lado os aliados europeus e os EUA ameaçam a Rússia economicamente, na outra ponta da mesa os aliados dos russos estão prontos para reagir militarmente se for necessário. Acusada de traição, a Bielorrússia (Belarus) abriu espaço no território para que as tropas de Putin pudessem entrar na Ucrânia e já anunciaram apoio militar se for necessário; pelo ponto mais próximo da fronteira bielorrusa, Kirovo, cruzando o rio Dniepre são apenas duas horas até a capital Kiev. Além de Belarus, a Rússia conta com dois potentes aliados: a China e o Cazaquistão; não é de hoje que Pequim tem se mostrado insatisfeita com as ações do Ocidente e farpas já foram trocadas com os Estados Unidos e a União Europeia; já o Cazaquistão possui uma das maiores reservas de petróleo do mundo e pode ser a pedra no sapato da União Europeia.

E como tudo que é ruim pode piorar, a China – que mesmo defendendo a postura de respeito à soberania – acabou por apoiar Putin, que no encontro com o presidente chinês, Xi Jinping, deixou claro que apoia a política adotada por Pequim com relação a Taiwan. Putin disse que Taiwan é uma província separatista e que logo voltará ao domínio chinês. Horas depois da invasão russa à Ucrânia, o Ministério da Defesa de Taiwan alertou que a força aérea da ilha detectou 24 aeronaves chinesas invadindo seu espaço aéreo.

Já no Oriente Médio, a Síria também declarou apoio às ações de Putin. Desde 2011, a Síria vem sofrendo com uma série de conflitos e que culminaram em uma Guerra Civil, mas o histórico do conflito é antigo e envolve as principais potências europeias, como Reino Unido e a França, por exemplo. A Síria não precisou procurar pelo conflito fora do continente, em dezembro passado uma região importante ao sul da capital Damasco foi atacada pelo vizinho Israel, que de maneira hipócrita condenou o ataque russo à Ucrânia. E se a confusão está grande o suficiente, ainda há o risco de um fervor maior entre Síria, Israel, o Irã e a Arábia Saudita; sendo esta última agora um pivô importante de negociações com o Ocidente em relação ao petróleo; pois os europeus não querem mais depender da Rússia, mas o problema é que com exceção da Rússia e da Arábia, não sobram grandes produtores aliados ao Ocidente. Depois dessa lista, integram o time a Venezuela (aliada a Putin) e o México, que também está em constante conflito com os Estados Unidos.

E o Brasil? Jair Bolsonaro disse querer a paz mundial ao visitar Vladimir Putin na semana passada e por enquanto anda em silêncio, mas o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, já mandou o recado: o Brasil respeita a soberania da Ucrânia. Sobram ainda neste cenário o Japão e a Austrália; os japoneses – que anunciaram sanções econômicas à Rússia – temem retaliação de Moscou com embarque de materiais usados para o polo industrial tecnológico japonês. Da mesma forma, a Austrália também impôs sanções contra os russos e agora também teme retaliações por ciberataques às empresas do país.

Em conversas com empresários, Putin disse que não teve outra opção senão o ataque à Ucrânia e diz que as sanções econômicas não irão afetar o país, tampouco prejudicar a economia, pois – de acordo com Putin – a Rússia segue sendo parte de um sistema econômico global – no qual muitos países emergentes e de primeiro mundo dependem do mercado russo.

Ainda há muita água para correr debaixo dessa ponte, mas o certo é que todas as potências reconhecem que um confronto armado entre todas elas não é a saída para resolver absolutamente nada. Putin tem sua parcela de responsabilidade em toda essa crise, mas não é possível condenar apenas ele e seus militares, não é de hoje que a OTAN vem passando dos limites e invadindo países do Oriente Médio como o Afeganistão e a Síria; o temor de alguns é que após a Ucrânia, Putin volte seu olhar para a Polônia e os países do Báltico, que são membros da OTAN e, diferente da Ucrânia, podem contar diretamente com ação militar dos aliados.

O endeusamento da postura dos Estados Unidos por parte da mídia Ocidental joga na vala todas as invasões cometidas pelas forças armadas estadunidenses. É o único país do mundo que possui bases militares espalhadas pelo mundo em territórios estrangeiros, uma linha de defesa com ogivas nucleares e uma imensa frota da Marinha em todos os oceanos. Putin pode ter errado ao invadir a Ucrânia e violar a soberania do país, mas não há nada de bom na postura de Biden e seu clubinho de mercenários; não há o bem ou o malvadão na guerra, só existe a destruição total, a perda de vidas inocentes e tristeza.  


por:

Luiz Felipe de Lima

• Historiador •

Formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro;

Professor de História e Sociologia;

Pesquisador.

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