Foto: Cineset
17/10/2022 – 08:44:03
Luiz Felipe
O título pouco convidativo desta coluna é proposital, pois somente quem leu a obra ou assistiu à adaptação que o cinema produziu, é que vai entender do que ela se trata. Mas para aqueles que não leram ou assistiram, farei o favor de contextualizar rapidamente. Fahrenheit 451 é um romance distópico do escritor estadunidense Ray Bradbury, publicado em 1953 e é considerado um dos maiores romances de ficção do século XX.
Para resumir a obra em apenas um parágrafo, dá para dizer o seguinte: a história mostra um futuro não tão distante onde livros são proibidos e opiniões próprias são consideradas antissociais e completamente hedonistas, além do fato de que o pensamento crítico, lógico e racional não é bem aceito. Nesta história, a personagem central – Guy Montag – é um bombeiro, que na obra de Bradbury tem o significado de “queimador de livros” e não de combater incêndios. É um paradoxo brilhante! Toda a história é desenvolvida em uma América que é anti-intelectual e clássicos de Shakespeare, Marx, Brecht, Withman, Faulkner não são aceitos e devem ser queimados. Essa América anti-intelectual acredita que os leitores devem ser confinados em manicômios. O número 451 é a temperatura da queima do papel na escala de graus em Fahrenheit, que é utilizada nos Estados Unidos, uma vez que o país não utiliza o sistema internacional de medidas. Em Celsius, esse número equivale a 233 graus.
A obra, embora muito conhecida, acabou virando história de cinema em 1966, dirigida por ninguém menos que François Truffaut e recebeu uma releitura 2018, uma produção da HBO, que contou com a atuação e produção do ator Michael B. Jordan. Honestidade? O roteiro da releitura é péssimo e fez a obra de Truffaut (para que não assistiu) parecer um péssimo filme. Se essa coluna te despertar o interesse, pelo amor de Jesus peço uma coisa: ASSISTA O FILME DE 1966. Apesar de todos os aspectos negativos, o filme de 2018 ainda deixa um importante questionamento: a competição com a tecnologia. Como a história é sempre filha do seu próprio tempo, parece contraditório o que vou dizer aqui, mas é impossível comparar os dois cenários, o de 1966 e o de 2018. Estaríamos cometendo um erro ao qual chamamos na História de anacronismo.
Para alguns críticos de cinema o filme de 2018 não surtiu tanto efeito pelo motivo de que os livros físicos, aqueles bons e velhos livros em papel, estão perdendo o espaço no mercado, seja pela queda nas vendas ou pelo crescimento do streaming, com a adaptação de histórias escritas em material audiovisual, até porque o lucro é bem maior. Em tempos de Kindle, ter uma prateleira cheia de livros em casa é coisa rara. Mas a tecnologia não é a vilã nessa história e não pode ser responsabilizada pelo desaparecimento dos livros. A tecnologia sempre existiu e sempre foi ferramenta de seu próprio tempo. A falta de interesse em leitura não se deve ao aumento ao processo tecnológico por si só, mas para entender é preciso voltar algumas casas com Adorno e Horkheimer, os pais da escola de Frankfurt e também do conceito de Indústria Cultural e a produção da cultura das massas, que diga-se de passagem, não pode ser confundida com cultura popular.
Fahrenheit 451 também nos faz lembrar – propositalmente – da grande queima de livros proposta pelos nazistas, em 1933. Naquela ocasião, totalmente real e longe da ficção, tudo que fosse considerado impróprio, que fosse crítico demais ou desviasse o padrão imposto pelos nazistas, deveria ser destruído. Os livros foram queimados em praças públicas, sempre com a presença de políticos e demais autoridades locais. A maioria dos autores queimados eram os chamados “não-alemães” e a principal justificativa era a de purificação da escrita alemã, uma escrita formatada pelo nacional socialismo (que não tem nada de esquerda apesar do socialismo no nome).
Mas na contramão do bom senso, no lugar de facilitar a distribuição livros e incentivar a leitura, o governo adotou uma queima de livros, mas o mais alarmante é que a nossa queima de livros foi feita sem usar uma faísca, isto é, não foi preciso fogo para dizimar os livros da nossa sociedade. Em uma canetada, o governo Bolsonaro resolveu ampliar a taxação sobre livros e outros produtos da área de cultura, alegando que os mais ricos pagariam mais (ah tá né) e que os recursos poderiam ser utilizados para efetivação de políticas públicas para a área cultura. Aumentar o imposto sobre livros não é somente uma imbecilidade é, sobretudo, um projeto de destruição das culturas nacionais, é um projeto anti-ciência, anti-intelectual.
Os livros se tornaram artigos de luxo no Brasil, é praticamente impossível entrar em uma livraria e encontrar um bom exemplar por menos de 50 reais e – de novo na contramão do bom senso, da cidadania, da educação – para cada livraria que fechou, sugiram duas ou três igrejas e pelo menos o dobro de clubes de tiro. Não sou contra armas, sou contra gente idiota portando arma. Mas realmente estamos em um nível de bestialização da população cada vez maior. Com ou sem imposto, quem tem dinheiro e quiser comprar livro vai comprar de qualquer jeito, mas quem precisa escolher entre pagar as contas, se alimentar e comprar livros, pode apostar que este último item será o escolhido para ser descartado do orçamento. Quem mais lê no país são aqueles e aquelas que não possuem as melhores condições financeiras de comprá-los. A nossa sociedade de Fahrenheit 451 é a versão tupiniquim, chamada de Bolsonaro-171.
• Historiador •
Formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro;
Professor de História e Sociologia;
Pesquisador.
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