OPINIÃO

Raiz e nutella: toda geração depois da nossa é sempre a pior da humanidade

Foto: Pixabay

04/01/2023 – 17:52:54

Luiz Felipe

Com um certo exagero na dose de saudosismo, a comparação entre gerações é um tanto quanto injusta quanto anacrônica. Ninguém vive na mesma régua, quem dirá com os mesmos hábitos

Toda geração tem o hábito de achar que é a melhor de todas, a mais esperta, a mais atualizada e pior: condenar a geração seguinte como a pior da humanidade. Mas por que isso acontece?

Primeiro temos que entender que as mudanças ocorridas em sociedade são tão impactantes, que às vezes definem o ritmo de mais de uma geração. A geração dos meus pais, por exemplos – nascida nos anos finais do baby boomer era uma geração – que na maioria dos casos – aprendeu a trabalhar feito boi na roça desde muito cedo, com muito trabalho e pouco estudo ou lazer. Aos 16 já estavam fora da casa dos pais e aos 22 já tinham se casado e com 25 estavam no segundo filho. Nós e nossos contemporâneos escolhemos gatos e cães em vez de crianças.

A geração dos meus irmãos, por exemplo, da segunda metade dos 1980, foi uma geração que pegou o mar um pouco menos revolto, já tinham uma vida um pouco mais estabilizada apesar das dificuldades econômicas que todo o país enfrentava com o final da ditadura militar de 21 anos. Era uma geração que também precisava trabalhar para ajudar em casa e que não tinha o avanço tecnológico que possuímos hoje, fator pelo qual as infâncias são diferentes no período dos anos 80 com os anos 2000. Tudo mudou, inclusive o conceito de infância.

Quem nunca escutou dos pais ou dos avós um “no meu tempo não era assim” não sabe o que é ouvir um sermão de como a vida era sofrida e difícil nos anos 60, 70 e sobre como você está desperdiçando tempo e oportunidades em sua vida fazendo o que você sempre quis fazer. Nossos pais projetam em nós os seus próprios sonhos e ficam frustrados quando não queremos segui-los.

Outro traço marcante em qualquer geração é o momento adulto em que você se torna o velho ranzinza, que se incomoda com jovens andando amontoados em calçadas, com som alto, com risadas, com conversa e até mesmo com passarinhos cantando. Toda geração vive esse momento e quase todas as pessoas um dia se tornarão ranzinzas, isso se já não são, como o autor desse texto. Nós temos uma incapacidade de aguentar jovens, seja o tempo que for.

Mas em todas as gerações, seja aquela criada com cachaça, tabaco, coca-cola ou nesquik, há um traço que sempre as definem: todas serão as piores observadas pelos olhos da anterior. As gerações mais novas, principalmente Y e Z decidiram romper drasticamente com o modelo anterior que predominava no Ocidente. Os nascidos pós-1994 ainda estão nas casas dos pais, decidiram por não casar e filhos não estão nos planos por enquanto, é uma pequena parcela da galera dos 30 que tem filho, está casada e leva uma vida como seus pais levavam.

A geração 2000, muito mais conectada que a minha, que domina um smartphone com facilidade, mas sofre com o básico da Matemática, da Política, de História e Geografia, é a mesma que de uma inteligência invejável. Aí fica o questionamento: são inteligências sendo desperdiçadas porque usamos modelo do século passado para educar uma geração de um novo século?

Era totalmente impensável, no tempo dos nossos pais, trocar de emprego a cada dois ou três anos. Para muitos, era entrar em uma empresa e sair de lá aposentado. Mas a dinâmica do mercado de trabalho e do capitalismo também se modificaram nesses anos. Primeiro que para os mais jovens, aposentadoria é um sonho distante, sonho de uma noite de verão como diria Collor e em segundo, é que os mais jovens também não possuem a mesma conexão com o local de trabalho que nós ou nossos pais tinham, justamente porque as relações pessoais também mudam de acordo com o tempo. Você pode conhecer 400 pessoas, mas tem no máximo cinco amigos. Ninguém é tão popular ou tão solitário; mas ao contrário de ser um lobo solitário, ser popular é uma massagem no ego.

Quanto ao envelhecimento, outro traço marcante nas gerações é o avanço do pseudo-conservadorismo. Sempre tem aquela tia com 40 anos que está no terceiro casamento, mas condena a sobrinha que tem 22 e mora com o namorado, assim como tem o tiozão roqueiro com 33 carregado de preconceitos como homofobia e discurso de ódio, que também acha que a geração mais nova não sabe escutar música, só ele que sabe porque escuta o Iron Maiden, tem todos os CD’s e a Anitta não sabe fazer música.

Mas por que acontece isso? Lembra quando eu disse que os nossos pais sempre têm a tendência de fazer com que cada um de nós possa realizar os sonhos deles? Bem, é mais ou menos isso que ocorre com a mudança de geração para geração. Os jovens na casa dos 18 hoje são muito mais corajosos do que nós éramos quando estávamos na adolescência, talvez até mais responsáveis e muito mais conscientes das diferenças do mundo, por isso não dão a mínima para a opinião pública. A forma de segurança que encontramos para rebater o nosso próprio medo é condenar a geração mais jovem: o que vão fazer quando a água bater na bunda? Será que não pensam que terão que arrumar um emprego? Vão casar? Vão ter filhos? Fazemos as mesmas perguntas que faziam para nós, mas com a diferença de que nós estamos nos tornando os “tiozão” do pavê, mesmo que os jovens sejam chatinhos de vez em quando. Mas quem não foi chato e jovem um dia? Não incomodar, não falar com ninguém é ser chato também, viu?!


por:

Luiz Felipe de Lima

• Historiador •

Formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro;

Professor de História e Sociologia;

Pesquisador.

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