OPINIÃO

Subir ou Sumir: o drama do Paraná Clube

Foto: Reprodução/Gazeta do Povo

14/09/2022 – 08:47:04

Luiz Felipe

Como um admirador dos mais amadores do futebol, me chamou atenção a situação do Paraná Clube, o que me levou a uma ampla pesquisa da situação do time e a quantas andava a situação do tricolor paranaense. Então pensei: é uma história que vale a pena ser contada, ainda que seus capítulos não sejam 100% preenchidos com glórias, vitórias. Então vamos lá!

O ano era 2006 e o São Paulo Futebol Clube (meu time do coração) erguia o troféu de campeão brasileiro após o término do jogo em que enfrentava o Athlético Paranaense. Enquanto a torcida roía as unhas no estádio do Morumbi, em São Paulo (o jogo terminou em 1×1), outro jogo chamava a atenção dos tricolores paulistas: Paraná x Internacional, jogo que ocorria na Vila Capanema, em Curitiba. O São Paulo estava em uma disputa acirrada com o Internacional pelo título de campeão brasileiro de 2006. Como havia empatado com o Athlético, o São Paulo precisava que o Internacional perdesse, o que estava acontecendo naquele exato momento e então o apito final. Naquele ano, o São Paulo conquistou seu tetracampeonato brasileiro e Caio Júnior, o mesmo Caio que tragicamente morreu no acidente com o voo da Chapecoense, levou o Paraná Clube a uma conquista inédita: uma vaga na Taça Libertadores.

Aquele ano de 2006 também era muito especial para o Paraná Clube, o time havia conquistado seu sétimo troféu de campeão paranaense depois de uma sequência brilhante, a chamada “Era do Penta”, entre 1993 e 1997, em que o Paraná foi cinco vezes campeão consecutivo do campeonato estadual. Em 2007, já na Libertadores, o clube jogou com grandes equipes do continente, como Real Potosí e Flamengo, sendo eliminado para outra grande equipe nas oitavas de final, quando perdeu para o Libertad, do Paraguai. Mas a história (curta) de glórias do Paraná Clube começa de um jeito que não chega a ser atípico no futebol brasileiro, principalmente porque vem de um tempo em que não era tão difícil quanto na era atual manter um time de futebol com estrutura para treinamento, folha de pagamento, entre outros fatores. Eram tempos em que realmente o glamour não havia atingido o futebol e era realmente a paixão pelo esporte que acaba se sobressaindo, pois muitos dos jogadores eram jogadores como segunda ocupação, era mais do que comum encontrar em campo um açougueiro, um barbeiro, um professor, que aos fins de semana vestiam o uniforme da agremiação e disputavam o campeonato. É um Brasil de outro tempo, que já não existe mais.

Nascido de uma fusão entre o Colorado Esporte Clube e o Esporte Clube Pinheiros, o Paraná Clube entrou em ativa no ano de 1989, o Paraná já entrou com brilho e a década de 1990 tornou-se a sua década sagrada com seis títulos estaduais. Em 1992, o clube conquistou o título da série B do campeonato brasileiro e também obteve destaque, saltando da série C para a série A do mesmo torneio, um fato que nunca mais se repetiu.

A década de 1990 também tem um grande simbolismo para o torcedor paranista, principalmente quando as imagens do estádio Pinheirão lotado, mas hoje em dia a visão do estádio é outra. Completamente abandonado, o complexo esportivo do Pinheirão foi tomado pelo matagal e pela ruína da estrutura que já foi uma das maiores do país

Foto: Reprodução/Gazeta do Povo

O projeto de construção do Pinheirão começa na metade do século passado, mais especificamente em 1956. A ideia, embora ousada, não teve muitos adeptos. Projetado para ser o segundo maior estádio do país, atrás apenas do Maracanã, o Complexo Poliesportivo Pinheirão, foi concebido por Airton Cornelsen, que inicialmente queria construir o estádio na atual localidade da Praça Rui Barbosa, em Curitiba. Mas foi somente em 1968 que a obra começa a sair do papel e cria formas em seu novo endereço (no bairro Tarumã, em Curitiba). Em 1972, a drenagem do solo e as primeiras arquibancadas são instaladas. A inauguração só viria a ocorrer, de fato, 13 anos depois, durante um jogo entre as seleções do Paraná e de Santa Catarina, com resultado de 3×1 para os catarinenses. Em 1989, o complexo passou a ser utilizado em sua totalidade, como estádio multiuso, com uma capacidade para 54 mil torcedores, mas que nunca chegou a ser ocupado 100%. Entre 1985 e 1992, o Athlético Paranaense fez uso do espaço, alugando o estádio para realizar suas partidas como mandante, até que em 92 retornou para o estádio Joaquim Américo Guimarães, a Arena da Baixada.

A partir daí a vida financeira do Paraná Clube se tornou um verdadeiro inferno. Administrando a Vila Capanema (que é de propriedade da União) o Paraná Clube também começou a acumular dívidas, enquanto que de outro lado o Pinheirão também estava em risco, embora não fosse responsabilidade do Paraná Clube, pois era administrado pela Federação Paranaense de Futebol – FPF. Os números – não atualizados – indicam que por volta de 2007, somente em Previdência Social, o valor da dívida ultrapassava os R$ 20 milhões, enquanto que a dívida com arrecadação de IPTU com a Prefeitura de Curitiba ultrapassava os R$ 8 milhões.

No caso da Vila Capanema, a posse era da Rede Ferroviária S.A, mas com a extinção da rede em 2007, todo o patrimônio foi incorporado à União por um decreto assinado pelo ex-presidente Lula. Em 2016, o Paraná perdeu a posse definitiva, mas em 2018 por meio de decreto assinado pelo ex-presidente Michel Temer, o Paraná voltou a ter a posse provisória da Vila com concessão pública com um prazo de 15 anos renováveis por mais 15. A União, que alega ser a proprietária da Vila Capanema, diz que pode ceder a disputa jurídica se o Paraná entregar bens em forma de permuta. De acordo com a última avaliação (2020) a Vila está avaliada em mais de 50 milhões de reais. Em 2019, o Paraná perdeu duas propriedades por conta de dívidas, a sub-sede no bairro Boqueirão e o CT da Gralha Azul, esse em Quatro Barras, na região metropolitana da capital. Erroneamente, o clube divulgou uma nota onde dizia que o Paraná era novamente o “dono” da Vila Capanema, mas a verdade é que pelas normas o tricolor até pode fazer reformas, trazer investidores, mas continua pagando impostos à União, que ainda é a proprietária da Vila Capanema. Clubes como o Operário, de Ponta Grossa; Portuguesa e o Santos (SP) enfrentam a mesma situação com seus estádios e em breve também terão de enfrentar a questão com a União.

Pouco a pouco, o Paraná vai perdendo seus bens e imóveis e o clube caminha a passos largos para uma extinção. Em julho desse ano, o clube apresentou um plano de recuperação judicial de 74,9 milhões de reais e pediu um desconto de 90% de toda a dívida, propondo um pagamento em 16 anos. O clube cita como efeito-causa e prejudicial para aumento da dívida o rebaixamento em 2007 e o prejuízo de R$ 6 milhões no ano passado. O montante geral chega aos R$ 147 milhões.

A situação ficou um pouco pior para o clube, pois em agosto desse ano, após derrota para o Pouso Alegre (MG), o time foi eliminado da série D, a última categoria do futebol profissional. Sem chances de retornar à série C do campeonato Brasileiro, o clube ficará fora do calendário nacional de jogos do campeonato, podendo retornar somente em 2025. Como foi rebaixado para a série B do campeonato paranaense, o clube não conseguiu a classificação para a série D e Copa do Brasil. Dessa forma, o Paraná só poderá tentar uma vaga na série D e na Copa do Brasil caso retorne para a série A do campeonato Paranaense em 2024.

Para um estado que sempre teve estampado na imprensa esportiva a disputa tri entre Athlético, Coritiba e Paraná Clube, as evidências de má administração e relaxo nas contas foram deixando os torcedores sem paciência. O Coritiba também apresentou um plano de recuperação judicial recentemente, cujo administrador judicial é o mesmo escolhido pelo Paraná, diga-se de passagem. O que anda mais ou menos bem das pernas – por enquanto – é o Athlético Paranaense, que atualmente vive excelente fase nos campos, mas que também suas finanças com certa complicação. Finalista da Libertadores 2022 contra o Flamengo, o clube volta a disputar um título internacional. A última disputa foi em 2005, quando clube paranaense levou uma goleada de 4×1 contra o São Paulo, no segundo jogo, no estádio do Morumbi na capital paulista.

Gosto de acreditar na minha ingenuidade e de pensar que um futebol sem todo o elitismo e o glamour ainda seriam possíveis, mas os tempos são outros e até mesmo os grandes clubes estão encarando dificuldades, enquanto os menores também estão sofrendo para manter as contas em dia. As organizações como CBF e FIFA também não colaboram muitas vezes para o bom andamento dos clubes e dos campeonatos, mas aí é conversa para um outro texto.

Será triste – se chegar o dia – que o Paraná Clube deixará de existir, é um time que tem história no futebol estadual e também nacional, protagonizou grandes jogos e tem uma torcida fiel que ainda o acompanha, mesmo no momento mais difícil, mantém-se como sócios pagantes e ajudam o clube mensalmente com valores razoáveis pela paixão à camisa do tricolor do Paraná. Boa sorte aos paranistas e que a Gralha-Azul volte aos gramados paranaenses um dia trazendo brilho às competições outra vez.


por:

Luiz Felipe de Lima

• Historiador •

Formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro;

Professor de História e Sociologia;

Pesquisador.

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