Pelé abraçando Jairzinho após vitória na Copa de 1970. Foto: Divulgação/FIFA
30/12/2022 – 09:31:35
Luiz Felipe
Em 23 de outubro de 1940, na pequena Três Corações, sul de Minas Gerais, nascia o menino Edson Arantes do Nascimento. Filho do também futebolista João Ramos do Nascimento, o Dondinho, e de dona Celeste Arantes, Edson era o mais velho de dois irmãos. O nome Edson veio de uma “homenagem” que o pai, João, queria fazer ao inventor estadunidense Thomas Edison, o homem que inventou a lâmpada incandescente, mas um erro de digitação no cartório fez cair por terra o Edison e fez surgir o Edson. O apelido “Pelé” veio antes da fama, ainda nos tempos da escola pelo modo como pronunciava o nome do goleiro Bilé, que atuava pelo Vasco da Gama, time mineiro homônimo do clube carioca. Pelé confessou, certa vez, que nunca gostou muito do apelido, principalmente porque ele surgiu de forma jocosa, era o famoso bullying, que naquela época era normal e não tinha esse nome.
A infância do menino Edson foi na região de Bauru, no estado de São Paulo, cercada de muita pobreza e dificuldades; o pai de Pelé chegou a atuar como jogador profissional atuando em grandes clubes como o Fluminense e o Atlético Mineiro, mas sem grande êxito. Como não tinham dinheiro para comprar uma bola de verdade, Pelé improvisava a bola para poder jogar, geralmente com meias, jornais e até frutas como a toranja, uma espécie cruzada acidentalmente entre Pomelo e Laranja. Por volta dos 13 anos, Pelé já atuava nos campos pelo time juvenil do Bauru e já demonstrava que tinha talento para a coisa; chegou a conquistar dois campeonatos junto com sua equipe e foi artilheiro; em um único jogo marcou sete gols, mesma partida que a equipe derrotou o time adversário por 21 a zero.
O Santos Futebol Clube
Dois anos mais tarde, em 1956, o jovem Pelé agora com 15 anos foi apresentado ao Peixe da Vila Belmiro. O técnico do Bauru, Waldemar de Brito, levou Pelé para um teste no Peixe e ali as palavras de Brito foram abençoadas pelos deuses do futebol. Brito, reconhecendo o talento de Pelé, disse à administração do Santos que aquele iria se tornar o maior jogador do mundo. E não é que o cara acertou em cheio?
O contrato profissional entre Pelé e o Santos Futebol Clube se iniciou oficialmente em junho de 1956; Pelé recebia um salário de seis mil cruzeiros, dinheiro que enviava quase que a quantia total para a mãe, que estava em Bauru. O primeiro gol oficial da carreira de Pelé foi em uma partida entre o Santos e o Corinthians de Santo André, partida em que o Peixe venceu por 7×1. Em junho de 1957, Pelé já se destacava no torneio Rio-São Paulo e já chegava a marca de 18 gols em 30 jogos, um feito incrível que o levaria a ser convocado pelo técnico Sylvio Pirillo para a Seleção Brasileira de Futebol.
A alcunha de Rei veio ainda em 1958, com Pelé se destacando em uma partida contra o América do Rio de Janeiro, naquela partida o Santos venceu por 5×3, sendo quatro dos cinco gols feitos por Pelé. Aquele jogo do Maracanã tinha como espectador o grande dramaturgo Nelson Rodrigues, que chegou a escrever uma crônica dedicada a Pelé e exaltando a realeza do Rei e a esperança de dias melhores na Copa do Mundo que seria disputada dentro de dois meses na Suécia. Nelson Rodrigues dizia: “Com Pelé em campo, e outros como ele, ninguém irá para a Suécia com a alma dos vira-latas. Os outros é que tremerão diante de nós”. Rodrigues fazia referência à derrota na Copa do Mundo de 1950, em que o Brasil saiu traumatizado ao perder, diante de quase 200 mil pessoas, no Maracanã, para o Uruguai por 2×1, o que deu aos uruguaios seu segundo título mundial.
A Seleção Brasileira e a Copa do Mundo de 1958
Em 1958, a CDB – Confederação Brasileira de Desportos (atual CBF), contratou um psicólogo para avaliar os atletas para decidir quais iriam para a Suécia para disputar a Copa do Mundo. Pelé marcou 63 dos 128 pontos do teste proposto, o que resultou na recomendação do psicólogo para que a comissão técnica não levasse Pelé para copa, demonstrando que ele tinha um perfil ainda infantilizado, sem senso de responsabilidade. A comissão técnica – felizmente – contrariou a recomendação e levou Pelé para a Copa.
A seleção de 1958, segundo alguns especialistas em futebol, foi a melhor que o Brasil já teve. Era um timaço com Castilho, Bellini, Gilmar, Djalma Santos, Dino, Didi, Zagallo, Oreco, Zózimo, Pelé, Garrincha, Nilton Santos, entre outros atletas que eram destaque no futebol nacional.
Jogadores escalados para a final em 1958
Em pé, da esquerda para direita: Vicente Feola (técnico); Djalma Santos; Zito; Bellini (capitão do time segurando a Taça Jules Rimet) Nilton Santos; Orlando e Gilmar. Agachados, da esquerda para a direita: Garrincha; Didi; Pelé; Vavá; Zagallo e provavelmente o roupeiro Assis. (Imagem em domínio público – sem identificação do fotógrafo)
Pelé só recebeu a camisa 10 por um descuido da organização da federação brasileira que não enviou a relação de numeração de jogadores para a FIFA e coube à entidade dirigente distribuir a numeração a próprio critério e assim a 10 “sobrou” para Pelé.
O Rei só entrou em campo na terceira partida. O Brasil já havia vencido o primeiro jogo contra a Áustria por 3×0 com dois gols de Mazzola e um de Nilton Santos. O segundo jogo resultou em empate com a Inglaterra e o terceiro em uma vitória contra a União Soviética por 2×0, com gols de Vavá.
Já nas quartas de final, Pelé começou a jogar para valer e marcou o único gol da vitória da seleção brasileira contra País de Gales. Mas se faltaram gols nas quartas, na semifinal sobraram; o Brasil venceu a França por 5×2, com um gol de Vavá, um de Didi e três gols de Pelé; marcaram pela França o franco-marroquino Fontaine e Piantoni, considerado um dos melhores jogadores da França.
O resultado, obviamente, levou o Brasil para a final que foi disputada contra os donos da casa e o banho contra os franceses se repetiu. Com dois gols de Vavá, dois de Pelé e um de Zagallo, o Brasil venceu a Suécia por 5×2 e soltou o grito de campeão que estava entalado desde 1950 quando da derrota para os uruguaios. A derrota em 1950, tinha um sentido para Pelé: ele, com nove anos, viu o pai chorando e prometeu que ganharia uma copa para ele; oito anos depois erguia uma taça de campeão do outro lado do mundo.
Aquela copa ainda contaria com um fato que provavelmente nunca mais ocorreu em títulos mundiais do Brasil: Gilmar, Zagallo e Garrincha correram pelo campo carregando uma bandeira da Suécia como retribuição ao gesto de gentileza que receberam do Rei da Suécia, Gustav IV, que desceu para o gramado para cumprimentar os jogadores brasileiros pela vitória.
À esquerda o capitão Bellini com o técnico Feola ao centro e o goleiro Gilmar à direita seguram a taça Jules Rimet. (Imagem em domínio público – sem identificação do fotógrafo).
Aquela copa ainda contaria com um fato que provavelmente nunca mais ocorreu em títulos mundiais do Brasil: Gilmar, Zagallo e Garrincha correram pelo campo carregando uma bandeira da Suécia como retribuição ao gesto de gentileza que receberam do Rei da Suécia, Gustav IV, que desceu para o gramado para cumprimentar os jogadores brasileiros pela vitória.
Da esquerda para a direita: Gilmar, Zagallo e Garrincha acompanhados por membros da comissão técnica e outros jogadores correm carregando a bandeira sueca. (Imagem em domínio público – sem identificação do fotógrafo).
Uma noite em 69
Em 1962, machucado, Pelé viu o Brasil ser bicampeão enquanto ele estava fora do campo e em 1966 o sonho do tricampeonato foi adiado para o México. Em 1970, com 30 anos, Pelé sabia que seria a sua última copa com a seleção brasileira, mas mal sabia ele que o caminho até o tri iria reafirmar o seu lugar na história como o gênio do futebol que ele já era.
Em uma partida contra o Vasco da Gama, time do coração de Pelé (se engana quem pensa que era o Santos, Pelé sempre se declarou vascaíno), Pelé atingiu uma marca história ao chegar no gol de número mil.
Segundo o jornalista José Maria de Aquino, do Estado de São Paulo, a expectativa do gol mil já rondava os jogos anteriores, especialmente o último antes do Vasco, realizado na Bahia, mas o gol não saiu. Era, tinha de ser no único lugar possível: o templo do futebol, o Maracanã. Com a narração marcante de Milton Ferreti e os comentários de Lasier Martins, o clima no “Maraca” era de euforia. Tão logo foi derrubado na grande área, Pelé ouviu a torcida gritar seu nome para bater o pênalti. Com as mãos na cintura, um olhar fixo no canto direito, correu para a bola, chutou e correu para dentro do gol buscar a bola, ao mesmo tempo em que uma multidão correu para dentro do gramado para comemorar com Pelé. A maioria daquela multidão era de jornalistas, repórteres de campo, fotógrafos.
Os mil gols, entretanto, trazem algumas diferenças de contas e uma polêmica envolvendo a FIFA. Para a CBF, por exemplo, Pelé disputou 113 jogos com a seleção brasileira, tendo marcado 95 gols, mas a FIFA, entidade que controla o futebol mundial, são 91 partidas e apenas 77 gols. A diferença ocorre porque a FIFA considera jogos oficiais da seleção brasileira apenas os jogos contra outras seleções, enquanto a CBF coloca na conta os jogos contra clubes em amistosos. Mas como a contagem oficial é a da FIFA, o rei tem 77 gols pela seleção brasileira, o mesmo número de gols de Neymar, deixando o atual camisa 10 e o rei empatados no número de gols.
Sobre o número total de gols, o Rei tinha como marca o total de 1.283 gols, o mesmo número registrado pelo Guinness Book, o livro dos recordes. Entretanto, o Santos Futebol Clube contabiliza 1.282 gols, enquanto que a CBF contabiliza 1.281 gols. Mas para FIFA, que só contabiliza gols em jogos oficiais, Pelé está longe dos mil gols; na listagem oficial da entidade, Pelé é o quarto, com 767 gols em jogos oficiais, atrás de Romário (3º lugar – 772 gols), Josef Bican (2º lugar – 805 gols) e de Cristiano Ronaldo, que lidera a lista. Para a FIFA, o português é o maior artilheiro em jogos oficiais, com 807 gols.
Pelé foi erguido nos braços pelos jornalistas que cobriam a partida. Foto: Agência/Estado
Assista aqui o lance do gol mil de Pelé
A Copa do México
Em 1970 o mundo voltava sua atenção para a Copa do Mundo FIFA que seria realizada no México. Sendo eleita uma das copas mais bonitas até hoje por diversos jornalistas esportivos, a Copa de 1970 nos deu o tricampeonato mundial, que resultou na posse definitiva da Taça Jules Rimet e em Pelé entrando para a história mais uma vez ao se tornar o único jogador tricampeão mundial de futebol.
A Copa de 1970 também foi a primeira a ser transmitida em cores no Brasil, o que tornou o espetáculo ainda mais belo. O México, com todas as suas belezas e o imponente estádio Azteca (Asteca, em português) com capacidade para 131 mil torcedores, tornou-se um dos palcos mais sagrados para o futebol da América. Por motivos de reformas e segurança, a partir da década de 1990, o estádio perdeu a capacidade de acomodar mais de cem mil torcedores e hoje tem espaço para 87 mil amantes do futebol. Em 2026, a Copa do Mundo será disputada pela primeira vez em três países, sendo no México, Estados Unidos e Canadá e o Azteca receberá jogos da Copa do Mundo outra vez.
Partida realizada entre Itália x Alemanha na copa de 1970 e que terminou com a vitória dos italianos por 4×3. (Foto: Getty Images)
A Ditadura e a Copa do Mundo
Três meses antes da Copa começar, o técnico da seleção brasileira João Saldanha foi substituído por Mario Jorge Lobo Zagallo, o campeão de 58. Ali era a primeira interferência direta dos militares golpistas diante da seleção brasileira e das primeiras polêmicas envolvendo o Rei Pelé.
A substituição, segundo as más línguas, ocorreu diante de uma reclamação do então presidente da República, o general Emílio Garrastazu Médici, que reclamou da não convocação do atacante Dário, o Dadá. Saldanha, irritado com a reclamação do presidente, rebateu o milico: “eu não escalo o seu ministério, e o senhor não se mete no meu time”. Para não correr o risco de ver Saldanha acabar em um saco preto e torturado, para apaziguar a situação, a federação chamou Zagallo para levar a seleção ao México.
A seleção canarinho era imbatível. Estreou contra a Tchecoslováquia no estádio Jalisco, em Guadalajara e meteu 4×1 logo na estreia, com gols de Jairzinho (2), Pelé e Rivelino. Era um time rápido e com estrelas como o Clodoaldo, Zé Maria, Brito, Tostão, Gérson, Pelé, Rivelino, Jairzinho e o capitão Carlos Alberto Torres. A semifinal teve um gosto de vingança; diante de 50 mil pessoas, a seleção canarinho devolveu a derrota em casa para o Uruguai em 1950. O jogo terminou com a vitória do Brasil por 3×1 com gols de Clodoaldo, Rivelino e Jairzinho, o Brasil estava na final e aguardava o término dos acréscimos de um jogo emocionante entre Itália e Alemanha, que acabou com vitória para os italianos por 4×3.
No jogão da final, Tostão cobrou o lateral e Rivelino, de primeira, cruzou para a área onde Pelé aguardava para cabecear no canto esquerdo do goleiro Albertosi. Depois, aos 37 minutos, Clodoaldo tentou inventar moda e fazer um passe de calcanhar, que caiu nos pés do atacante Boninsegna, que driblou Brito, deixou o goleiro Félix a ver na navios na meia-lua da grande área e sutilmente bateu de chapa para empatar o jogo para os italianos. Aos 21 minutos do segundo, Gérson – o canhotinha de ouro, entortou o zagueiro italiano no drible e bateu firme no canto de Albertosi para marcar o segundo da seleção brasileira. Cinco minutos depois, Gérson lançou a bola da intermediária e achou Pelé na grande área, que escorou de cabeça e deixou a bola nos pés do mestre Jairzinho, que no meio de dois zagueiros italianos marcou o terceiro gol brasileiro. Mas ainda faltava o gol para fechar com chave de ouro aquela final, Pelé já tinha deixado o dele e distribuía passes incríveis para os colegas em campo. Aos 41 minutos do segundo tempo, Jairzinho recebeu um passe incrível, cortou o zagueiro pelo meio da zona defensiva e passou para Pelé, que serviu o capitão Torres e este, como se diz no futebol, soltou o pé e jogou uma tijolada para fazer o quarto gol da seleção brasileira.
Depois de um espetáculo de 4×1 para cima da Itália, o Brasil soltava o grito de tricampeão do mundo, era última copa disputada por Pelé e o fim de uma geração que dava aula em campo. Depois de 1970, o Brasil só voltaria a ganhar uma copa 24 anos depois, nos Estados Unidos, em outra final contra a Itália, dessa vez com vitória nos pênaltis.
Jairzinho ganhou o apelido de furacão por aterrorizar os adversários por sua agilidade e velocidade. Ele foi o artilheiro da seleção na copa de 1970. Foto: Staff/AFP
A volta ao Brasil, cooperação de Pelé com os militares e o roubo da taça
Conquistado o tri no México, a seleção brasileira retornou ao país de posse definitiva da taça Jules Rimet. Pelo regulamento da FIFA, a seleção que primeiro conquistasse o tricampeonato ficaria com a posse definitiva da Jules Rimet.
A taça era uma representação da deusa grega da vitória, Nice, e tinha asas estilizadas. Foi feita pelo artesão francês Abel Lalfleur e foi finalizada em 1929, para o mundial de 1930, no Uruguai. A taça media 30cm de altura e pesava 4kg, sendo que 3,8 kg do peso total era de ouro puro. O peso restante, 200g, era da base de mármore onde eram inscritos os nomes dos países vencedores.
Réplica da Taça Jules Rimet. Foto: Ben Sutherland
Na copa de 1938, em meio à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a sede do torneio foi a França e teve a Itália como campeã, erguendo o troféu pela segunda vez. Como campeã, a Itália abrigava a taça que seria entregue ao campeão da Copa que deveria ter sido realizada em 1942, mas que foi cancelada por causa da guerra. Os nazistas, especialmente Hitler, tinha a fama de ser obcecado por objetos, ídolos, tesouros e afins e, temendo a ação nazista em Roma, o presidente da FIFA resolveu retirar a taça do cofre de um banco em Roma e a colocou em uma caixa de sapato e escondeu debaixo de sua cama.
Em 1966, houve o primeiro roubo da taça durante o mundial realizado na Inglaterra. O troféu estava em exposição no Center Hall Westminster e mesmo com extrema vigilância foi roubado em março de 1966. A Scotland Yard não fazia ideia de como começar a investigar o roubo e, misteriosamente, uma semana depois a taça reapareceu encontrada por um cachorro que estava sendo levado para um passeio por seu dono. A taça estava enrolada por jornais e o fato ganhou os jornais mundo afora; os ingleses foram campeões em casa em cima dos argentinos, que debocharam do fato dizendo que o roubo da taça não era o único crime cometido, se referindo a erros da arbitragem que supostamente deram a vitória aos ingleses.
A taça chega ao Brasil
Após a conquista do tri, a taça veio com a seleção para o Brasil, era nossa. Mas antes de falarmos do roubo, é aqui que surgem as primeiras grandes polêmicas envolvendo Pelé. O Rei sempre foi muito criticado diante da falta de postura política em relação ao momento de ditadura que o país vivia. O jornalista Paulo Cesar Vasconcellos chegou a declarar que naquele momento, o da ditadura, a ausência de posicionamento pesaria muito contra Pelé. Paulo Cézar, o ex-companheiro de seleção, foi mais duro e disse que Pelé “tinha o comportamento de negro sim senhor, do negro submisso, que aceita tudo, que não contesta, que não julga”. A propaganda militar do governo utilizava a figura de Pelé na seleção para promover o governo, inclusive com músicas-tema durante a copa e que rapidamente grudaram no ouvido da população como a canção “Pra Frente, Brasil”, de Miguel Gustavo. Além de tema do Brasil na Copa, a música também era tema recorrente aos militares.
Pelé, diversas vezes, foi acusado de ser o garoto propaganda do regime militar, assim como também foi defendido pelo jornalista Juca Kfouri, que afirmou que Pelé sendo quem era, não podia voltar as costas ao presidente da República. Será? Usando uma expressão totalmente racista, um jornalista carioca disse que a coisa tinha ficado preta para Pelé quando o Rei foi visitar a sede do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), órgão investigativo, repressivo e torturador dos militares durante a ditadura. Essa visita ao DOPS ocorreu dias antes de Pelé ser enviado ao México como representante dos militares para a inauguração da Plaza Brasil, que mais tarde passou a se chamar Guadalajara Plaza.
O que boa parte do país não sabia na época e Pelé nem desconfiava, é que sendo amigo dos militares, ele seria investigado pelo DOPS entre 1972 e 1985. Todos os negócios e funcionários do rei foram investigados e o maior temor dos militares era que Pelé entrasse para a vida política, especialmente no Partido Democrático Trabalhista, o PDT de Leonel Brizola.
Na visita que fez ao DOPS em 1970, Pelé disse ao diretor do órgão que em jogos realizados no México e na Colômbia, ele foi assediado por comunistas para que assinasse um manifesto contra o governo brasileiro, mas que não o fez porque era contra o comunismo. Segundo relatório do DOPS, Pelé se prontificou – sem os militares pedirem – para gravar mensagens em vídeo afirmando ser contra o comunismo, se o governo julgasse conveniente. Diz o trecho:
“(…) esclarecendo [Pelé] ainda que, durante os jogos que realizou no México, Colômbia e Bogotá foi assediado por comunistas para assinar manifestos contra o nosso Governo, com o que não concordou por ser contrário ao comunismo, podendo, inclusive, fazer pronunciamentos nesse sentido, se julgar conveniente.”
Na ocasião, alguns presos tomaram conhecimento da visita de Pelé ao DOPS e pediram que o Rei assinasse um manifesto pela soltura. Pelé revelou, tempos depois, que nunca teve conhecimento sobre esse documento. Essa e outras informações estão no documentário “Memórias de Chumbo: o futebol nos tempos do Condor”, de Lúcio de Castro, produzido pela ESPN Brasil.
O segundo roubo da Taça
Em 1983 o Brasil lidava com o amargo 5º lugar na Copa de 1982 realizada na Espanha e a última lembrança de uma participação louvável em Copa era o troféu, a taça Jules Rimet, que estava no prédio da CBF, no centro do Rio de Janeiro. Pelo regulamento da FIFA, a taça era do Brasil por ser a primeira seleção a conquistar o tricampeonato.
Em 19 de dezembro de 1983, por volta de nove da noite, o prédio da CBF foi invadido por alguns elementos e estes roubaram a taça. O mentor do crime, segundo a promotoria, foi Sérgio Peralta.
Peralta era gerente do banco Agrimisa e tinha acesso ao prédio e certo dia viu a taça exposta numa moldura cercada por madeiras. Em um bar, ele teria feito a proposta do roubo a Antônio Setta, o Broa, o melhor arrombador do Rio de Janeiro à época.
Broa teria recusado, segundo o próprio, por patriotismo e porque seu irmão teve um ataque cardíaco quando assistiu pela tv o capitão do Tri, Carlos Alberto Torres, levantar a taça Jules Rimet. Broa disse que nunca mais tocou no assunto com Peralta.
Na manhã do dia 20 de dezembro a notícia já corria todo o país e a população estava enfurecida por conta do roubo do maior orgulho nacional do país, a taça do tri. A Polícia do Rio tratou o caso como furto simples, até que a Polícia Federal interviu e chegou a dois suspeitos, faxineiros da CBF.
Após saber do roubo, Broa delatou o mentor, Peralta e este foi preso dois dias depois na Avenida Beira-Mar. Peralta relatou, tempos depois, que só confessou o crime porque foi torturado pelos policiais federais que o prenderam, ele teria ficado em um cativeiro por três dias sem comida e água e sendo espancado. Todos os envolvidos foram condenados a pelo menos 9 anos de prisão, mas fugiram. Chico Barbudo, um dos envolvidos, ganhou a apelação da sentença enquanto estava foragido e tempos depois foi morto com 5 tiros. O Broa, que supostamente não teve envolvimento com o roubo, morreu durante um acidente de carro na Lagoa Rodrigo de Freitas, na zona Sul do Rio de Janeiro enquanto ia para o Fórum depor em uma audiência. A suspeita até hoje é de queima de arquivo.
O desleixo da CBF só foi descoberto após o roubo. Por total falta de organização e atenção, a réplica da taça foi trancada no cofre e a original foi para a exposição. No final daquele ano a imprensa já noticiava que o troféu roubado havia sido derretido. Em 1986, a FIFA ofereceu à CBF uma réplica da taça original. Em 2015, a FIFA encontrou partes da estatueta original nos porões da entidade em Zurique, na Suíça. A peça encontrada é a base do troféu que foi retirada em 1954, quando foi feito um novo. A base tem o nome dos vencedores das quatro primeiras copas do mundo, Uruguai em 1930 e 1950 e a Itália em 1934 e 1938.
“Pelé calado é um poeta” e o pulo de cerca
A famosa crítica de Romário ao Rei Pelé é uma das intrigas mais lembradas no futebol brasileiro até hoje. Pelé, na época, criticou Romário dizendo que o baixinho não era mais o mesmo e deveria se aposentar. Romário não gostou e rebateu com a frase e ainda completou: “ele deve colocar um sapato na boca”.
Além dos filhos dentro do casamento, Pelé teve outras duas filhas de casos extraconjugais que teve quando ainda namorava com Rosemeri, que viria a ser sua primeira esposa. Da primeira traição nasceu Sandra Regina Machado, que lutou na justiça para ser reconhecida como filha de Pelé por meio de um exame de DNA, em 1996. Sandra morreu de câncer em 2006; Pelé nunca quis conhecer a própria filha e acumulou um caminhão de críticas pela postura. Sandra havia nascido em 1964 e era filha de Pelé e da empregada doméstica Anísia Machado. Seis anos mais tarde, Pelé traiu a esposa de novo e dessa vez com a jornalista Lenita Kurtz; da traição nasceu Flávia Kurtz, em 1970, que também conseguiu o reconhecimento na justiça.
Desde o dia 29 de novembro Pelé estava internado no hospital Albert Einstein, na capital paulista e morreu ontem, às 15h30, em decorrência de falência múltipla dos órgãos.
• Historiador •
Formado pela Universidade Estadual do Centro-Oeste – Unicentro;
Professor de História e Sociologia;
Pesquisador.
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