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Um projeto ambicioso chamado Brasília

Foto: Wikimedia Commons

24/10/2024 – 08:21:33

André Luís A. Silva*

A construção de Brasília foi um projeto que emergiu, pela primeira vez, no começo do século XIX, logo após a Independência do Brasil, em 1822. O diplomata José Bonifácio sugeriu ao D. Pedro I, um projeto para transferir a capital – que naquele momento se encontrava situada no litoral do país, na cidade do Rio de Janeiro –, para o interior do Brasil, com o objetivo de protegê-la de possíveis ataques e invasões de outros países. O nome Brasília surgiu neste mesmo período, que significa “Brasil” e/ou “natural do Brasil”, em latim.

Entretanto, a ideia do diplomata não ganhou apreço naquele momento histórico, foi esquecida durante todo o período monárquico e só voltou a ser cogitada nos primeiros anos de República, tornando-se um artigo da Constituição Federal de 1891, que determinava a reserva de uma região no Planalto Central para, então, ser erguida a nova capital do país. A partir disso, vários estudos começaram a ser realizados, mas nenhum presidente se encorajou a desenvolver o projeto.

O presidente Getúlio Vargas, durante o início da década de 1940, até chegou a se debruçar sobre a ideia, mas acabou dando prioridade a outros projetos de desenvolvimento. Após a redemocratização do país, a Constituição Federal de 1946 também constatava a possibilidade de transferência da capital para o centro do país. Contudo, pode-se dizer que o ponto de partida para a construção de Brasília aconteceu somente em 1955, durante a campanha presidencial de Juscelino Kubitschek (JK), ao anunciar que, se fosse eleito, cumpriria o artigo 4º das disposições transitórias da Constituição Federal, ou seja, colocaria o projeto de transferência da capital em prática.

JK acabou sendo eleito no pleito de outubro de 1955 e, em janeiro de 1956, assumiu a presidência da República para um mandato de cinco anos (1956 – 1961). Um dos seus primeiros atos como presidente foi enviar ao Congresso Nacional o projeto da nova capital, que foi aprovado em setembro daquele mesmo ano por meio da Lei nº 2.874, autorizando, assim, o início da construção da nova capital federal, que teria o nome de Brasília. A lei também estabelecia a criação da Companhia Urbanizadora Nova Capital (Novacap), empresa responsável pela obra, que teria o engenheiro e deputado Israel Pinheiro como diretor geral. O projeto arquitetônico dos prédios públicos ficou sob responsabilidade de Oscar Niemeyer, e o urbanista Lúcio Costa foi encarregado por idealizar o projeto urbanístico da cidade.

As obras iniciaram no final do ano de 1956 e, a partir de então, começava-se o enfrentamento de uma série de desafios. Talvez o maior deles fosse a questão da logística, pois o lugar escolhido para ser erguida a nova capital federal estava situado a mais de 100km de distância da cidade mais próxima, Anápolis. Para se chegar até o local das obras do que seria a futura cidade de Brasília, o único meio era as empoeiradas estradas de terra. O outro grande desafio era a mão de obra, que em grande parte veio de trabalhadores do Centro-Oeste e Nordeste brasileiro. Estes trabalhadores ficaram conhecidos como candangos, tinham uma rotina de trabalho exaustiva e condições de vida precária. Há registros de opressão policial e de pessoas que morreram devido à exaustão de trabalho. Inclusive, estes acontecimentos tendem a ser ocultados e/ou menosprezados nas páginas da nossa história.

Muitos trabalhadores tiveram sua carteira de trabalho assinada pela primeira vez em uma das inúmeras obras que faziam parte do ambicioso projeto. No início, ser chamado de candango era uma forma depreciativa que associava os trabalhadores a um escravo, mas com o passar do tempo, a designação se tornou um motivo de orgulho, sinônimo de um trabalhador batalhador, construtor da cidade. Hoje, há um monumento na praça dos três poderes chamado, oficialmente, de “Os Guerreiros”, mas apelidado de “os candangos”, em homenagem aos bravos trabalhadores que ergueram a cidade de Brasília.

No decorrer dos quase quatro anos de obra, a construção de Brasília contou com uma ferrenha resistência política liderada pelos conservadores da União Democrática Nacional (UDN), que questionavam o governo JK pelo excesso de gastos com a obra, denunciavam os desvios de recursos públicos e a alta da inflação – em parte devido à impressão de dinheiro e pela demanda urbana de alimentos. Até hoje não se sabe ao certo quanto foi gasto na construção de Brasília. Fala-se algo em torno de 1 trilhão de reais (números atualizados), o que certamente é um exagero. Mas o fato é que para os economistas, há um consenso em afirmar que a construção da nova capital federal contribuiu para o acentuar o endividamento público do país.

Durante seu mandato presidencial, JK tornou a construção de Brasília sua prioridade de governo, e esta é mais uma crítica realizada por seus opositores, uma vez que JK acabou deixando de lado o investimento em áreas importantes para o desenvolvimento do país, por exemplo, a Educação. Desde o início das obras, a urgência era pela conclusão da Praça dos Três Poderes, o Congresso Nacional e a Esplanada dos Ministérios. Terminada estas obras, Brasília foi inaugurada, oficialmente, em 21 de abril de 1960, considerada uma vitória política de JK. A cidade não estava completamente pronta, mas já contava com os principais prédios públicos acabados e prontos para o funcionamento da capital federal.

Segundo o historiador Marco Antonio Villa, a construção de Brasília foi o maior símbolo do projeto desenvolvimentista de JK, pois a transferência da capital efetuou a integração do território nacional por meio da construção de novas rodovias, a exemplo de Belém-Brasília (2.000km); Belo Horizonte-Brasília (700km); Fortaleza-Brasília (1.500km) e Rio Branco-Brasília (2.500km). A integração fazia parte do Plano de Metas do governo de JK, um programa de industrialização e modernização do Brasil, que estabelecia 31 metas a serem cumpridas em cinco anos.

De acordo com o historiador brasilianista Thomas Skidmore, durante o governo do presidente JK, a produção industrial do Brasil cresceu 80%, a taxa média de crescimento do PIB brasileiro foi de 7% ao ano e o crescimento per capita do Brasil foi cerca de três vezes maior do que o restante da América Latina. O avanço da economia brasileira caminhava a passos largos e chamava a atenção do mundo.

Após a inauguração de Brasília, o presidente JK aumentou ainda mais sua popularidade. Em todos os cantos do país só se falava da nova cidade-capital. A construção de Brasília também virou notícia internacional. Foi uma época que o Brasil impressionou o mundo com uma arquitetura original e moderna. O projeto da nova capital trouxe vários espaços de área verde, bairros planejados, quadras com esquinas arredondadas e avenidas amplas. Já os prédios públicos apresentavam uma radicalidade em seus traços, muito distante da tradição greco-romana. Oscar Niemeyer e Lúcio Costa mostraram ao mundo que eram duas mentes brilhantes e distintas, mas que no fim se complementavam.

Ao fim, a execução deste ambicioso projeto chamado Brasília vai muito além do que um marco na engenharia e na arquitetura moderna. É, sobretudo, uma demonstração de que o Brasil buscava conquistar um espaço entre as principais lideranças mundiais daquela época. Não é à toa que a nova capital federal logo ficou conhecida como a cidade esperança, muito por conta de que os olhares das outras nações estavam voltados para a nossa terra. O Brasil mostrava ao mundo que era o país do futuro.

 

*Historiador, Professor e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná

André Luís A. Silva

Historiador, Professor e Doutorando do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual do Oeste do Paraná