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24/01/2023 – 16:19:52
Luiz Felipe
Eu pensei uma, duas, três vezes antes de trocar o título desta coluna. Para os que não sabem, um caderno de cultura é dedicado para as críticas de arte e cultura, reportagens e matérias sobre o tema, além de servir como um guia para quem quer encontrar algo para o fim de semana com a família ou com os amigos.
E antes que eu seja crucificado em público pelos lacradores de plantão, a crítica aqui não é contra os artistas ou a cultura guarapuavana em geral, mas uma certa ausência de opções para quem não quer ir ao shopping ou se enfiar em buteco para entupir o bucho de cerveja e arrumar confusão na XV de Novembro, ponto oficial que até pouco tempo era chamado de “bobódromo”. A ausência que aqui me refiro é aquela opção de lazer gratuita, em que se pode pegar seus filhos, cachorro, gato, papagaio, amigo e ir assistir uma banda tocar em um espaço público, ir ao teatro – que até temos aqui, mas sofre com a ausência de peças.
Há de se entender, é claro, que cada cidade tem sua mentalidade, seus hábitos culturais e práticas do dia a dia; esse movimento muito mais colorido é bem comum nas capitais, onde há uma concentração maior de pessoas e de renda também, então o teatro – que para muitos é coisa de gente fina, rica – é uma opção muito viável, assim como o cinema com as crianças ou a diversidade dos parques muito bem arborizados. “Ah, Luiz, mas não dá para comparar Guarapuava com Curitiba ou Belo Horizonte”. Sim, não é possível, até porque todas as comparações, quase sempre, são injustas.
A arte é um elemento fundamental na formação dos seres humanos. Artistas são essenciais para cultura e Guarapuava está cheia de artistas talentosos, seja na música, no teatro, na dança e em tantas outras áreas. O problema é que a visibilidade desses artistas ainda é reduzida, falta a eles o incentivo artístico, a valorização profissional por parte até mesmo do próprio público. Infelizmente, a maioria dos guarapuavanos prefere fechar o olho para os talentos que temos aqui e gostam de aplaudir o que vem de fora. Nossos artistas, muitas vezes, são criticados e ridicularizados. Se há um festival com artistas da cena local, o povo está pronto para criticar porque os organizadores “não trouxeram atrações de verdade”. É a famosa síndrome do vira-lata. Mas, por sorte, temos também as pessoas que apreciam a nossa arte e artistas locais.
Esses dias conversava com uma amiga que há anos mora em Belo Horizonte, Minas Gerais. Falávamos sobre a beleza que é ter um final de semana livre para percorrer a cidade em busca de atrações. A mesma coisa com outra amiga que mora em Ponta Grossa, um pouquinho mais perto de Guarapuava e o resultado é o mesmo: um caldo cultural efervescente que sempre movimenta a cidade. E aí algo sempre me intriga: por que Guarapuava é sempre tão “parada”, isto é, os fins de semana aqui, para os adultos, se resumem ao shopping, bares, cervejarias, parque do lago e para por aí; com criança então é ainda mais complicado para achar um bom programa pela cidade. Quer música ao vivo? Somente dentro dos bares. O lado bom é que o quadro de artistas da cidade tem se renovado cada vez mais e é sempre possível ouvir coisas já conhecidas em novas vozes, com novos talentos. O que falta é espaço para essa gente trabalhar sua arte.
Quem já viveu ou visita outras cidades, sejam grandes ou pequenas, sempre se depara com inúmeros espetáculos culturais, sejam shows musicais, peças de teatro, apresentações de artistas de rua e todo tipo de manifestação da cultura que somente a arte é capaz de proporcionar e por arte e cultura, falamos de todas, não somente aquelas que nos agradam. E não é que elas não existam em Guarapuava, muitas vezes não possuem a visibilidade ampliada e estão bem restritas aos bairros e comunidades. Então aqui fica a primeira provocação: elas precisam se expandir ou nós que precisamos?
O teatro que eu citava anteriormente, foi se tornando um espaço revestido de um glamour exagerado, desnecessário. Ora, a arte teatral não precisa do espaço físico do teatro para existir. Já imaginou o quão importante seria uma criança, que mora no bairro Jardim das Américas ou na Vila Bela, assistir uma peça teatral gratuita no salão da igreja do bairro ou no saguão da sua escola? Ou, como seria importante retomar festivais, com apoio do Poder Público, para que músicos locais possam se apresentar aos fins de semana, expondo ao público novas performances. Falta interesse da população e incentivo institucional.
Já diziam os Titãs no clássico “Comida”, lançado no ano de 1987 no maravilhoso álbum “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”: “A gente não quer só comida/ a gente quer comida, diversão e arte”. O acesso para a cultura e a arte é fundamental. Não adianta nada programar o melhor espetáculo do mundo ou ter a melhor programação cultural se ela não está acessível para as pessoas. Cultura e arte tornaram-se negócios muito lucrativos, mas não para os artistas, mas para quem “cuida” desses artistas. Duvida? Pergunte a qualquer artista que está trabalhando em um espetáculo, principalmente se for público, quanto é o seu cachê para diversas horas de trabalho. O acesso também não diz respeito somente ao poder aquisitivo, financeiro, mas também pela possibilidade de descentralizar o que acontece nas cidades. Se não há o mínimo garantido de transporte, por exemplo, que esses espetáculos e ações saiam do centro e migrem para os bairros da periferia, nas comunidades, para os distritos que também querem assistir uma boa apresentação musical, querem rir com um show de um humorista ou peça de teatro.
Perguntei uma vez a uma aluna que residia em um dos distritos da cidade o que faziam aos fins de semana quando queriam um programa diferente. A resposta foi: tem que vir para Guarapuava e ir no bar tal para encontrar os amigos da faculdade, tomar uns chopps e voltar para casa. Imaginem só, pegar um ônibus intermunicipal que leva quase uma hora para percorrer a distância de 20km, gastando 25 reais entre ida e volta ou pegar um carro e levar 20 minutos para se deslocar do distrito à sede do município para ir em um bar, ficar por ali duas ou três horas e depois retornar. A cidade deveria ter mais opções do que um bar ou um shopping (que já está ficando saturado para além da praça de alimentação).
Se você busca uma atração ao ar livre, a Lagoa das Lágrimas ou o Parque do Lago já se tornaram obrigatórios, primeiro pela facilidade por estarem em área central da cidade, segundo por serem extremamente agradável. Temos também o nosso belíssimo Parque das Araucárias, mas que é tão longe quanto o shopping e aí é outro estresse para chegar lá, principalmente para quem dirige, pois aguentar os motoristas mega educados de Guarapuava é outro desafio também. Não tão longe do centro, temos o parque do Jordão, que já foi um dos pontos mais movimentados da cidade, mas hoje anda meio parado. Com uma proposta de revitalização do parque pelo poder executivo municipal, a população aguarda ansiosa pelo novo parque.
É exatamente por isso que muitas pessoas preferem ficar em casa nos fins de semana e se juntar com os amigos. Faz mais de um ano que meus amigos e eu estamos combinando um churrasco no fim de semana, mas nunca sai. Primeiro porque embora sejamos jovens, o espírito é de gente ranzinza, não de velhos, porque existem velhinhos mais animados e entusiasmados que os jovens, então não seria justo o rótulo. Sempre surge um no grupo perguntando: “E hoje?”. Fazemos vários planos e no fim nada acontece. Na verdade, o nosso grupo (Rádio Peão) é um grupo onde todos falam sozinho e lá de vez em quando tem alguma interação.
Mas voltando ao tema, produzir felicidade é irritante, é estressante. Para se deslocar ao shopping da cidade, por exemplo, se for em um sábado ou domingo, você chegará estressado ao local. Se optar por fazer isso no fim de tarde, enfrentará um trânsito com engarrafamento diabólico na Avenida Manoel Ribas e um difícil acesso à PR-466 para aí sim chegar ao shopping e depois a saga de encontrar uma vaga que lhe permita sair facilmente do estacionamento mais tarde. Se você optar por ir de Uber ou 99 e até mesmo de ônibus, a vida não fica mais fácil. O trajeto entre qualquer bairro da cidade e o shopping não sai por menos de 20 reais a corrida; o que é justo do ponto de vista de que os motoristas desses aplicativos são explorados pelas taxas do app, além do preço dos combustíveis. Produzir felicidade cansa.
Apesar de estar custando um rim, se você é daqueles que gosta de assistir filmes e séries, o streaming tem compensado. É um investimento, que apesar de caro para muitas pessoas, ainda vale a pena. O que você gastaria em um fim de semana ficando estressado nos lugares, ainda mais se tiver o espírito ranzinza como o meu, que não suporta lugares lotados com gente gritando por causa do som alto, a soma de 150 reais mensais é um ótimo investimento para quatro serviços de streaming, com uma grande variedade do cinema nacional e internacional. Ah! E lembra do churrasco com os amigos? É fácil sair também, se os amigos não forem mão de vaca. Bem organizado e dividido, dá para dar boas risadas, tomar uma cervejinha, comer carne e ir para casa satisfeito no fim da noite.
Para um grupo na casa dos 30 anos, como é o meu, a ideia de diversão é juntar todo mundo na casa de um amigo, cada um leva uma caixinha de cerveja, uns charutos e ficamos ali fingindo que somos gente grande, fumando e tomando cerveja e é claro, falando mal da vida dos outros, porque a fofoca é rainha nesses encontros. Há um velho preconceito machista de associar as mulheres à fofoca, mas a verdade é que homem é muito mais fofoqueiro, mas não admite.
O que tem compensado mais ultimamente, é aproveitar o embalo do trabalho e sair para tomar uma lá de vez em quando. Mas aí logo bate o desânimo, porque você lembra que todo mundo teve a mesma ideia que você. Você chega no bar e é uma saga para encontrar uma mesa, outra saga para pedir algo e depois que entupiu o “fiote” de cachaça, aí tudo fica maravilhoso. Às vezes não é o lugar, mas sim você! Ri alto agora.
Uma dica ao Poder Público é: parte do orçamento destinado à Cultura poderia ser empregado de diversas maneiras. Falávamos na sexta sobre isso, Amanda e eu, em vez de contratar um grande show nacional todo ano, a prefeitura poderia utilizar esse valor e produzir pequenos eventos locais durante o ano todo. Temos um palco espetacular que é o parque do lago, praças e parques fora do centro que também podem e devem ser utilizados. Certa vez assisti uma batalha de rap no parque do Lago e apesar de não ser o meu estilo favorito, confesso que gostei e fiquei admirado do quanto o público fã do espetáculo estava disposto a acompanhar, pois tiveram que pegar dois ônibus para chegar ao parque e ao final encararam a fina garoa guarapuavana para acompanhar o artista que viera de outra cidade para se apresentar aqui. Isso é representatividade. Agradar a todos os gostos não para sair bem na foto, mas atender ao quesito artístico e cultural, entender que nem todo mundo gosta de sertanejo, assim como a maioria da população não gosta de rock ou de rap. Nosso quadro cultural é formado por diversidade e quem não entende isso já se perdeu na vida.
Guarapuava é uma cidade de muito potencial turístico, cultural e artístico. O que está faltando é organização, envolvimento popular, descentralização, popularização e quando cito o termo popularização aqui, refiro-me ao acesso das pessoas à arte. Conversando com uma amiga que mora em Coronel Vivida, no sudoeste do estado, ela me contou que as pessoas se deslocam para cidades vizinhas para poderem encontrar algo a fazer nos fins de semana. Os guarapuavanos já estão fazendo isso. Há muito tempo, a nossa famosa ExpoGuá trazia pessoas de toda a região, depois a feira foi ficando muito fora da realidade, com preços absurdos para toda a população e hoje nada mais existe, é apenas ilusório e o processo se inverteu. São os guarapuavanos que vão para as cidades vizinhas para assistirem aos shows nacionais que se fazem presentes.
Recentemente, não me recordo quem era o/a artista que se apresentava aqui “ao lado”, em Turvo, mas a cidade simplesmente lotou. Os moradores nunca viram um congestionamento, pois a cidade é pequena e naquele dia viram o primeiro. O município de Pitanga, também na região, em abril fará uma grande feira também e já anunciou quatro shows, dos quais três são do cenário nacional, com as duplas Fernando e Sorocaba, Antony e Gabriel, Matheus e Kauan. E adivinha: tudo de graça para a população, você paga apenas a consumação de bebidas e alimentos. O último mega show que assisti em Guarapuava, de graça, foi Amado Batista. Brincadeira! Teve um mais recente organizado pela prefeitura para o feriado do dia do trabalhador.
Espero que essas cenas voltem à nossa cidade e que possamos também ficar entusiasmados nos fins de semana com apresentações de qualidade dos nossos artistas, sem precisar ir a um município vizinho para se divertir e se colocar em risco pela própria irresponsabilidade de encarar uma rodovia dirigindo depois de beber horrores após assistir a um show. Consciência antes de tudo!