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Lei N° 19701/2018 combate a violência obstétrica no Paraná

No Brasil, uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de agressividade durante o parto

Foto: Freepik

Com informações da Alep

Os dados são da Fundação Perseu Abramo e dizem respeito a todo tipo de agressão cometido contra a mulher durante o período de gestação, ou seja, desde o pré-natal ao pós-parto. Entre os atos que configuram a violência obstétrica, pode-se destacar o insulto verbal, os procedimentos médicos desnecessários e o tratamento humilhante praticado por profissionais da área da saúde.

A OMS (Organização Mundial de Saúde) conduziu, no ano de 2015, uma pesquisa para elencar os tipos de violência sofridos pelas mulheres durante o parto. O estudo reuniu informações coletadas por pesquisadores da OMS em 34 países. Foram listados sete tipos de violência na hora do parto, que são abuso físico, abuso sexual, abuso verbal, preconceito e discriminação, mau relacionamento entre os profissionais de saúde e as pacientes, falta de estrutura no serviço de saúde e a carência de um sistema de saúde de boa qualidade. No Brasil, as maiores adversidades relatadas foram a restrição de ter um acompanhante durante todo o parto, o abuso verbal, a agressão física, a relação ruim entre o profissional e a parturiente e a não obtenção de consentimento para determinados procedimentos.

O que diz a lei

No ano passado, a Lei Nº 19701 foi sancionada no estado do Paraná e dispõe sobre a violência obstétrica, direitos da gestante e da parturiente. O texto entende como violência qualquer ação ou omissão que possa causar à mulher morte, lesão, sofrimento físico, sexual e psicológico; a negligência na assistência em todo o período de gravidez e pós-parto; a realização de tratamentos excessivos ou inapropriados sem comprovação científica de sua eficácia; e a coação com a finalidade de inibir denúncias por descumprimento do que dispõe a lei.

A lei também estabelece que são direitos da gestante e da parturiente a avaliação do risco gestacional durante o pré-natal; assistência humanizada durante a gestação, parto e nos períodos pré-parto e puerperal; o acompanhamento por uma pessoa por ela indicada durante os períodos pré e pós-parto; o parto natural, respeitadas as fases biológica e psicológica do processo de nascimento; entre outras determinações.

Ainda segundo o texto, as denúncias pelo descumprimento da lei podem ser feitas nas ouvidorias da Secretaria de Estado da Família e Desenvolvimento Social, da Secretaria de Estado da Saúde e do Ministério Público estadual, ou através do disque-denúncia 181, da Secretaria de Estado da Segurança Pública. Os estabelecimentos e os profissionais de saúde que descumprirem o disposto na lei estarão sujeitos ao pagamento de multa no valor de 50 UPF, a ser aplicada em dobro em caso de reincidência.

“Achava que era normal”

Há 29 anos, a professora Raquel*, 46, teve seu primeiro filho. Ela tinha apenas 17 anos na época e achou que o tratamento ríspido durante o parto era algo normal. “Enquanto eu esperava minha bolsa estourar, vi a médica gritando com a paciente que estava em trabalho de parto e reclamava da dor. Eu fiquei assustada e resolvi ficar quieta. Achei melhor não reclamar de nada pra ela não gritar comigo também”, explica Raquel. Quando chegou a sua vez (ou não), o tratamento não foi diferente. A bolsa d’água, que envolve o bebê no útero, estava demorando a estourar e sem questionar, a enfermeira responsável induziu o procedimento. “A enfermeira disse que o bebê estava muito preguiçoso, daí estourou a minha bolsa. Fizeram aquela manobra de subir em cima da barriga e empurrar o bebê, o que doeu bastante. E ainda fizeram o corte”, comenta a professora, que não foi avisada sobre a realização de ambos os procedimentos.

A manobra citada chama-se Kristeller e é considerada uma violência obstétrica por ser agressiva. Ela constitui-se em pressionar a parte superior do útero para acelerar a saída do bebê, podendo causar graves lesões, como deslocamento de placenta, fratura de costelas na mãe e traumas encefálicos na criança. “O corte a que a professora se refere tem o nome de episiotomia. O procedimento realiza um corte cirúrgico na região formada por músculos entre a vagina e o ânus, com a intenção de facilitar a passagem do bebê”, comenta a enfermeira Alessandra Faria. A episiotomia também é considerada uma violência contra a mulher, ainda mais se a paciente não é avisada do procedimento. “Atualmente existem outros métodos que dispensam o uso da episiotomia, como a utilização de compressas de água quente e massagem com óleo de amêndoas na região”, finaliza Alessandra.

Saindo das sombras

Para dar voz a essas mulheres que são vítimas de violência obstétrica, a escritora ítalo-brasileira Rosana Antonio reuniu no livro “Terror na Maternidade” relatos de mães que, assim como ela, infelizmente vivenciaram essa experiência. “Eu escrevi este livro por achar um absurdo uma quantidade relevante de pessoas no mundo concordarem que a violência obstétrica é uma consequência normal que a mulher tem que viver na hora do parto. Inconformada com o que me aconteceu em junho de 2009, no parto da minha primeira filha, comecei em 2016, a reunir depoimentos sobre o tema, mas poucas mulheres estavam dispostas a falar. Umas para não mexerem numa ferida muito dolorosa. Outras por medo do sistema. Medo de não terem mais apoio para os filhos. Porque na verdade, depois do parto, muitas delas continuam na dependência de atendimento nos mesmos hospitais”, explica Rosana, que atualmente reside em Portugal e é presidente da Associação Cultural Meleca.

Segundo a escritora, a mulher deve fazer valer o seu direito de ser bem atendida e assistida durante o parto. “Temos de ter consciência que a barriga da mulher ainda é o único transporte que pode trazer o homem na terra. Tudo pode começar, ou tudo pode acabar num parto! Ou se começa uma vida feliz com um novo ser humano. Porque é óbvio que se uma criança nasce de um parto feliz, consequentemente terá mais chances de ser feliz e a mãe muito mais motivada para criá-lo. Ou acaba tudo! Se a mulher for vítima de tortura por conta da negligência de profissionais mal formados ou infelizes, ela pode perder o filho, levá-lo pra casa com sequelas irreparáveis. Isso acarreta um trauma que raramente se consegue superar. É injusto ser vítima de tortura, num dos dias mais importantes da vida de uma mulher”, finaliza Rosana.

 

*Nome alterado para preservar a identidade da entrevistada

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